Tradução e Adaptação

Epifania

Uma adaptação da canção Epiphany, de Taylor Swift.

28-01-2021Por Bruno Vinicius Boni Bonafethreebonev@gmail.com Letras/Bacharelado em TraduçãoOrientadora: Aline Cantarotti

“Only twenty minutes to sleep

But you dream of some epiphany

Just one single glimpse of relief

To make some sense of what you've seen”

(Epiphany, Taylor Swift)


Podia ouvir o riso das crianças cortando os seus ouvidos enquanto elas corriam de um lado para o outro no gramado a sua frente. Balançava, para frente e para trás, lentamente em sua cadeira de madeira esculpida à mão por alguém que para ele tampouco importava. Uma das maneiras mais agradáveis de passar o tempo nos últimos dias tinha sido esta: sentar em sua varanda e observar seus netos correndo de um lado para o outro sem sentido algum. Às vezes, pegava-se pensando em como ele teria aproveitado aqueles momentos em sua infância, pensando se teria sido tão bom quanto ele imaginava ser para as duas figuras.

– Vocês não cansam não? – gritou, na tentativa de ser escutado pelas duas crianças em meio a gritos e barulhos que ele não imaginava ser possível de ser realizado por apenas duas pessoas daquele tamanho.

Não esperava conseguir alcançar os netos com o seu grito, apenas queria expressar o quanto estava indignado com a disposição que via nos dois. Imaginava que não fosse tão difícil para elas correr e gritar ao mesmo tempo durante horas, para logo depois comer e deitar, para os longos cochilos que ele sabia que viria. Até mesmo para ele, os cochilos eram necessários, mesmo que, em seu caso, não tivesse que gastar a mesma quantidade de energia que os dois.

– Quem você acha que ganhou? – da forma mais abrupta possível, a criança mais baixa, um garoto de no máximo 7 anos, chegou a sua cadeira, chacoalhando-a com um certo desespero.

– Obviamente fui eu, não temos dúvidas disso! – seguindo o garoto vinha sua irmã, a semelhança era notável na feição dos dois, porém ela era um pouco mais velha, com 9 anos.

Não pôde conter o riso ao ver os netos se aproximarem com a pergunta, porque desde que estivera observando-os, não havia notado que estavam realmente competindo por algo, para ele, estavam apenas fazendo coisas que crianças fazem, sem razão alguma. Os dois ficaram sem entender, em meio ao riso do mais velho, mas, aparentemente, encontravam-se cansados o suficiente para não iniciarem outra brincadeira; logo, jogaram-se ao chão da cadeira, deitados com as costas no chão de madeira da varanda e olhando para o teto do local.

– Honestamente, eu não sabia que vocês estavam competindo por algo. Se soubesse, eu teria prestado mais atenção. – comentou, logo após os dois se deitarem, ajeitando-se na cadeira para retornar a uma posição mais confortável. – Fui um péssimo juiz, confesso. – Tentou conter o riso, mas não conseguiu deixar de escapar um pequeno riso ao final da frase.

– COMO ASSIM VOCÊ NÃO PERCEBEU QUE ERA UMA CORRIDA??? ELA TINHA QUE CORRER ATRÁS DE MIM E EU TINHA QUE CORRER DELA E ELA NÃO CONSEGUIU ME PEGAR. – gritou o mais novo, levantando-se do chão em um pulo e dando pequenos saltos enquanto explicava ao avô sobre o que se tratava a brincadeira. – Ei, o que é isso? – em meio aos saltos e gritos, algo atiçou sua curiosidade.

O avô seguiu com os olhos o local para onde os dedos do pequeno apontavam e não conseguiu reprimir o olhar a respeito das memórias que começaram a surgir em sua cabeça.

– Uma história que eu prometo contar para vocês quando forem maiores. – Livrou-se das memórias que começaram a surgir em sua mente, cobrindo a cicatriz que carregava na parte inferior do seu braço esquerdo enquanto levantava da cadeira de madeira. – Que tal comermos agora? disse, batendo gentilmente na cabeça da garota que agora também estava de pé ao seu lado.

Sabia que o convite para comer algo seria o suficiente para fazer que, temporariamente, eles esquecessem da cicatriz e da história que ele tinha para contar sobre ela. Assim, como sabia que os dois ainda estavam longe de conseguir entender tudo o que ela significava para ele - isso se um dia fossem capazes de entender aquilo. Pequenos detalhes, que teria que carregar sozinho em seu próprio corpo, de algo que nem ele mesmo às vezes compreendia. Algo que ele mesmo preferia manter para si mesmo, para não ter que colocar em palavras todos os sentimentos contidos.

[...]

Esticou o braço esquerdo para alcançar o interruptor na parede próxima a sua cama enquanto ajeitava os seus pés entre as cobertas. Aquela noite não estava muito fria, então deixar a coberta dobrada aos seus pés parecia uma boa decisão a tomar.

O quarto estava em um silêncio absoluto. Não gostava de barulhos externos, como uma televisão ligada ou qualquer outro tipo de barulho que pudesse interromper seu sono. Já havia conseguido dormir em várias situações diferentes, mas não gostava de pensar na ideia de ser acordado por algo aleatório passando na televisão que ele mesmo não estava prestando atenção.

Esfregou os olhos com a palma da mão uma última vez antes de cair no sono.

[...]

Podia ouvir o barulho ensurdecedor das explosões próximas. Não poderiam estar muito longe do campo de batalha principal. Ajeitou o rifle que carregava entre os braços, certificando-se de que todos os seus companheiros estavam juntos e, até então, seguros. Não seria a primeira batalha deles, nem mesmo a última, mas podia sentir que algo diferente estava para acontecer. Talvez algo que fosse ressignificar o rumo em que a guerra seguiria daqui para frente. Eles estavam avançando e, há dias, não encontravam problema. Agora, porém, o chão tremendo sob seus pés o fazia pensar que não teriam tanta sorte novamente.

– O que está pensando? – a voz do homem ao seu lado fez que ele fosse puxado para fora dos seus pensamentos, desviando seus olhos para ele enquanto colocava a arma de lado.

– Não estou com um bom pressentimento – Respondeu, tentando não parecer tão apreensivo quanto imaginava soar, mas sabia que não seria capaz de esconder de uma maneira melhor.

Havia apenas uma pessoa para quem ele não conseguia mentir ali e essa pessoa era o homem ao seu lado. Eles tinham se aproximado mais que qualquer outro do grupo e, levando em conta que nunca se encontraram antes de tudo isso, imaginou que o levaria consigo durante todos os anos restantes da sua vida; se é que eles teriam esses anos. Nos últimos meses, não teve muito contato com o mundo exterior ao grupo de homens, então tentou suprir essa necessidade com ele e, aparentemente, ele se sentia da mesma forma. Os motivos para essa grande proximidade, em um período tão curto de tempo, foram as situações vividas pelos dois durante aquela experiência e isso faria que eles carregassem para o resto da vida memórias que muito provavelmente optariam por esquecer.

– Não temos certeza de quantos são, mas temos que avançar e não podemos recuar em hipótese alguma – O soldado mais à frente começou os dizeres, enquanto ajeitava o seu capacete, girando-o em sentido horário e prendendo-o mais firmemente a sua cabeça.

Girou na direção do capitão, tirando totalmente sua atenção da conversa que estava para iniciar-se; comemorando mentalmente, pois não teria que explicar os sentimentos ruins que sentia.

Seguir ordens nunca foi um problema para ele. Sempre teve o costume de deixar os outros tomarem as rédeas das situações, pois sempre achou que não era muito bom em tomar decisões. Receber ordens, em um ambiente de guerra, era algo totalmente diferente. Estavam recebendo comandos para que avançassem, em um contexto que não tinham conhecimento sobre o que esperar, nem se sairiam vivos daquele cenário. Não podia contestar, pois era apenas mais um dos soldados daquele grupo específico, então apenas guardou seus receios para si mesmo, enquanto olhava novamente para todos os outros presentes. Família talvez fosse uma palavra forte demais para descrevê-los, entretanto já tinham passado tanto tempo juntos, que não imaginava nomeá-los de outra forma. Conhecia as singularidades de cada um presente, até mesmo do capitão do grupo, e isso era uma das partes mais importantes para manter sua sanidade, durante aquele período tão conturbado.

Não demorou muito para que chegassem no ponto em que a batalha estava realmente acontecendo. Como imaginaram, não estavam contra um pequeno número de pessoas, mas também não esperavam encontrar outro grupo de aliados nas proximidades. Com o aumento do grupo, imaginou que não fosse ser tão difícil quanto esperava.

Estava errado.

A praia em que ocorria a batalha principal estava destruída de todas as formas possíveis. Buracos eram vistos por todos os lugares, destroços que as bombas causaram pouco tempo antes eram perceptíveis naquele ambiente bélico. O barulho que a guerra traz consigo provou-se ensurdecedor neste dia e, praticamente todos os soldados, de ambos os lados, gastavam toda a munição contida em suas fardas, a fim de eliminar aqueles que eles achavam estar errados.

Tentava não se importar com os seus outros companheiros e focar-se na sua própria sobrevivência, mas não conseguia desvencilhar-se da sensação que deveria ao menos tentar ver se todos estavam bem. Apesar das suas preocupações, não havia maneiras de saber quem era quem no meio das pessoas ao seu lado da batalha. Todos os soldados do seu grupo e do grupo extra estavam cobertos de terra, inclusive ele, enquanto seguiam atirando para todas as direções em que viam qualquer tipo de movimento.

A batalha durou horas, um pouco menos do que imaginava que fosse durar. Tinha medo que ela durasse dias e, apesar da guerra não ter chegado ao seu fim, imaginou que a vitória deles naquela praia deveria significar algo extremamente positivo para a conclusão da guerra como um todo. Os soldados aliados encontravam-se em sua totalidade comemorando a vitória, enquanto o cheiro de pólvora no ar ainda irritava o seu olfato.

Não tinha conhecimento ainda do número de perdas do seu grupo. A maioria dos que conseguia encontrar com os seus olhos tinha algum tipo de machucado que não aparentava ser muito sério. Ele mesmo carregava um corte na região do braço esquerdo de quando teve que pular sob uma plataforma de metal, mas não era um corte que o abalaria naquele momento de vitória.

E definitivamente não foi.

Em uma distância de dois metros à frente de onde estava, pôde ouvir um grito subir em direção aos céus, chamando a atenção de grande parte dos soldados que ainda comemoravam a vitória. Um dos soldados do seu grupo gritava na direção de um corpo caído na areia, enquanto balançava os braços para que o ajudassem. Aproximou-se, o mais rápido o possível, ignorando a ardência no seu braço esquerdo, quando viu quem era o homem estirado no chão.

Um arrepio subiu por todo o seu corpo, quando a última frase que tinha escutado dele ecoou em sua cabeça “o que está pensando?”. Não conseguiu conter os joelhos e caiu ao seu lado na areia da praia. Tentou manter a calma, entretanto sabia que não seria possível aguentar por muito tempo. O homem estava desacordado, porém ainda não parecia estar morto.

– VOCÊ CONSEGUE ME OUVIR? – gritou, tentando tocá-lo da forma mais gentil possível. Não conseguia conter a irritação no seu corpo, enquanto sentia uma grande parte dos soldados reunindo-se ao seu redor.

Como imaginava, não obteve uma resposta imediata. Com o auxílio de alguns soldados, colocaram-no encostado em uma pedra e conseguiram visualizar machucados em todas as regiões do corpo. Não conseguiam entender a gravidade dos machucados, mas sabiam que a situação dele não era das melhores.

– Eu acho que ele está sangrando muito – comentou um dos outros soldados, chamando a atenção para um dos machucados mais sérios, no peito do homem.

Demorou aproximadamente meia hora para obter algum tipo de resposta, mas, após todos os tipos de tratamentos e cuidados realizados pelo grupo, o homem abriu os olhos e esboçou um sorriso torto, em apenas um lado do rosto. Realizaram todos os procedimentos possíveis, tentaram estancar o sangue de todos os ferimentos, utilizaram água para todas as feridas e deram os remédios que carregavam na maleta de medicamentos.

O alívio por ele ter acordado fez que um peso gigantesco desaparecesse das suas costas e subisse em direção ao céu, em forma espiral. Esse sentimento dominou todo o céu da praia naquele dia, passando por entre as nuvens do local e fazendo que o homem fosse, repentinamente, arrancado dos seus sonhos.

Teve que se sentar na cama, para se recuperar do susto que o sonho lhe causou. Acendeu as luzes do quarto, enquanto tomava um copo de água que sempre deixava de reserva sob a mesinha ao lado da cama. Apertou a cicatriz no braço esquerdo, enquanto tentava esquecer tudo aquilo que tinha sonhado.

– Talvez eu prefira que essa versão fosse a verdadeira – falou, para que apenas ele pudesse ouvir.

Enxugou uma lágrima que desceu por seus olhos enquanto se ajeitava para deitar novamente. Pelo menos uma vez por ano ele se via naquele local e naquele momento, em que tudo havia mudado em poucas horas. Ele apenas não esperava que um dia fosse vivenciar aquele dia com um final diferente. Entendeu o sonho como um sinal de que o amigo estava bem e sorrindo torto por aí, mesmo depois de todos aqueles anos e independente de tudo o que tinha acontecido. Ele imagina que alguns costumes são bem difíceis de mudar.