Para a nossa tradução comentada, selecionamos o poema “She Dwelt among the Untrodden Ways” (1798), uma balada do escritor inglês William Wordsworth. O poema narra a história de uma jovem moça solteira, que morava num local remoto, não tendo ninguém para amá-la. Diante disso, o narrador compara a donzela a uma violeta que está perto de uma pedra coberta de musgo, pois sua beleza delicada era ofuscada por elementos maiores; ainda assim, quando sozinha, sua formosura se destacava tal qual uma estrela só no céu. Visto que era pouco conhecida em vida, tampouco a jovem, cujo nome era Lucy, teve sua morte percebida. Apesar disso, sua morte causou grande impacto na vida do narrador, que demonstra lamentar o falecimento e sentir falta de Lucy.
A primeira estrofe afirma que, apesar de seu anonimato, Lucy era uma pessoa digna de amor e admiração. O título do poema e a linha de abertura, "She dwelt among the untrodden ways", criaram um contexto de anonimato e isolamento. O "caminho" de Lucy, o lugar onde ela morava, era "inexplorado" e poucas pessoas o percorriam. E como ela "vivia" lá, raramente deixava o local, fazendo com que ela tivesse poucas chances de conhecer outras pessoas. Além disso, ao apontar que ninguém admirava Lucy, o narrador deixa implícito que ela era sim, digna de admiração, e que foi uma pena que não tenha recebido o reconhecimento que merecia, sugerindo que foi um dos únicos que foram capazes de enxergá-la.
Adiante, na terceira estrofe, o narrador reitera como Lucy foi seriamente subestimada na vida. Embora seja em parte um lamento, a observação serve mais para enfatizar a afirmação final do orador sobre o impacto duradouro de sua existência. Lucy “viveu desconhecida”. Aqui, o orador aprofunda a afirmação da primeira estrofe. Ela não apenas passou pela vida sem elogios e praticamente sem amor - ela “viveu desconhecida”, de modo que poucas pessoas notaram sua morte. Ao enfatizar esse ponto, o narrador parece considerar um contra-argumento: talvez, se Lucy fosse tão desconhecida, sua virtude não importasse, e já se pode observar o impacto que ela causou no locutor.
Contudo, esse argumento é contestado pelo próprio narrador na sequência, quando ele coloca “The difference to me!”, realizando uma afirmação exclamativa e, portanto, confiante do valor de Lucy. Este é também o momento em que ela está mais oculta aos olhos - ela não está parcialmente escondida (“Half hidden”), mas sim sepultada (“But she is in her grave”). Assim, a virtude da donzela não é, em última análise, inútil. Muito pelo contrário, ela foi o suficiente para fazer a diferença para ele ou ela e, por causa disso a memória de Lucy, e talvez, de certa forma, sua própria virtude, sobrevive, e agora, através das palavras do narrador, outros também podem conhecê-la.
A fim de realizar a tradução, realizamos uma leitura inicial, com o objetivo de compreender a mensagem/história do poema. Feito isso, demos início à análise de sua estrutura, através da qual foi possível observar que a balada conta com três estrofes de quatro versos, os quais se dividem em rimas alternadas - característica marcante do gênero - e em termos de métrica, os versos se intercalam entre oito e seis sílabas poéticas. Tendo em vista a iminente importância das rimas para o poema, optamos por nos atentar tanto ao conteúdo quanto à forma. Para chegar ao resultado final da tradução, foi feita uma versão primária, ao pé da letra, para entendermos o sentido geral do poema. A seguir, faremos uma comparação entre a primeira versão e a versão final, que segue as rimas de acordo com o texto original.
Em um primeiro momento, o verso inicial do poema foi traduzido como “ela habitou os caminhos não habitados/inexplorados”, estrutura que não sofreu muitas alterações, além da escolha do vocábulo “inexplorados” para não causar a repetição do verbo “habitar” no mesmo período e introduzir a ideia de isolamento sofrido pela moça. O segundo verso, contudo, sofreu mais alterações, visto que a primeira versão foi traduzida como “ao lado das nascentes do Dove”. Neste trecho, reformulamos a frase para “que as nascentes do Dove vinham acompanhar”, mantendo a ideia de proximidade entre os caminhos e o rio, mas adicionando o verbo “acompanhar” no infinitivo, para manter a rima com o quarto verso.
Em seguida, o verso que primeiramente foi traduzido como “uma donzela que não havia ninguém para elogiar” foi transformado para “uma donzela que ninguém havia elogiado”, para reforçar seu anonimato e excluir qualquer sentido de ambiguidade que possa ter surgido. No quarto verso, a frase “e muito poucos para amar:” foi reescrita como “E pouquíssimos havia para lhe amar:”, mantendo a rima com “acompanhar” do segundo verso. A seguir, no quinto, mantivemos a primeira versão, pois representou bem o objetivo da frase original, e a palavra “musgosa” serviu como gancho para a rima ligada a esse verso. Além dele, o sexto verso também não sofreu alterações.
Já o sétimo verso, primeiramente traduzido como “como uma estrela formosa, quando sozinha”, sofreu uma inversão em suas partes, para que “formosa” pudesse rimar com “musgosa”, do quinto verso. O seguinte, que teve sua primeira versão como “está brilhando no céu”, sofreu alterações no verbo “brilhar”, para que tivesse um tom mais poético, e “céu” foi substituído por “cosmos”, mantendo a rima com o sexto verso e a ideia de espaço onde os astros se movem. A seguir, o nono verso, que foi traduzido como “ela viveu desconhecida, e poucos sabiam”, teve o verbo saber” alterado pela expressão “se fazer notar”, para reforçar a conexão com o verso seguinte, e facilitar a escolha da exclamação do verso com o qual ele rima.
Por fim, o décimo verso foi transformado de “quando Lucy deixou de existir” para “quando Lucy fez sua partida”. A exclusão do termo “deixou de existir” foi feita para que o poema continuasse em consonância com a análise feita previamente, em que Lucy não deixa de existir, mas sobrevive por meio das palavras do autor do poema. Em seguida, o 11º verso sofreu apenas a alteração da exclamação no final, passando de “oh” para “ah”, de forma que a rima foi mantida. E, finalmente, no 12º verso, que primeiramente foi traduzido como “a diferença para mim”, foi reformulado para enfatizar essa diferença no cotidiano do autor, que notou Lucy e sentirá sua falta, e conecta esse verso com o décimo, terminado em “partida”.
She Dwelt among the Untrodden Ways
She dwelt among the untrodden ways
Beside the springs of Dove,
A Maid whom there were none to praise
And very few to love:
A violet by a mossy stone
Half hidden from the eye!
—Fair as a star, when only one
Is shining in the sky.
She lived unknown, and few could know
When Lucy ceased to be;
But she is in her grave, and, oh,
The difference to me!
Tradução
Ela habitou os caminhos inexplorados
Ela habitou os caminhos inexplorados
Que as nascentes do Dove vinham acompanhar,
Uma donzela que ninguém havia elogiado
E pouquíssimos para lhe amar:
Uma violeta numa pedra musgosa
Parcialmente oculta aos olhos!
—Singular, como uma estrela formosa
A brilhar solitária no cosmos.
Ela viveu desconhecida, e poucos se fizeram notar
Quando Lucy fez sua partida;
Mas ela está em seu túmulo, e, ah,
A diferença na minha vida!