Linguística

Ler ou passar o olho por um texto?

Como saber se estamos absorvendo, de fato, o conteúdo lido?

18-01-2021Por: Gabriela Rodrigues dos Santos (aluna de Letras-Inglês)E-mail: gabi_rodrigues_11@hotmail.comOrientador: Pedro Navarro

Já parou para pensar o quão complexo é ler um texto? A leitura é um processo dinâmico e individual, ou seja, cada leitor tem um comportamento específico diante de um texto, pode-se afirmar então que ler significa produzir sentidos. Para se tornar um bom professor, é necessário entender que alunos são expostos diariamente a textos nas escolas, o que nos leva a refletir a maneira que essa exposição acontece e o que podemos fazer para que eles tenham uma experiência prazerosa enquanto leem e aprendem. Além disso, conseguir desenvolver habilidades criativas e críticas do pensamento é algo fundamental para os indivíduos, pois é lendo que se consegue abrir os olhos para o mundo e perceber situações e sentimentos que antes passavam despercebidos. Ler permite que o indivíduo se expresse, encontre a sua identidade própria e aprenda cada vez mais sobre o verdadeiro mundo ao seu redor. Ao mesmo tempo em que é um processo individual, ele se torna social também, afinal existe uma série de fatores externos que influencia no ato de ler e na forma como o leitor analisa um texto.

Dito isso, é importante entender que a leitura consiste em uma correlação entre o leitor, o autor e o texto, entretanto um mesmo texto pode gerar interpretações diferentes, então devemos nos atentar à maneira que nos colocamos diante desse texto. Para chegar ao produto final (os sentidos), é preciso adentrar em algo chamado de práticas de leitura (João Wanderley Geraldi, 1999), as quais consistem em: a busca de informações; o estudo do texto; o pretexto e a fruição do texto. Vale mencionar que essas práticas de leitura estão longe de ser algo padronizado e imposto para os leitores, mas que elas existem para ajudá-los no entendimento maior de um texto, sem que fique algo maçante e desinteressante.

A primeira delas consiste na busca de informações, algo de extrema importância, pois a partir de uma leitura inicial, o leitor deve se colocar a procura de fatos, conceitos, situações, pessoas etc. para se situar dentro daquele texto, destacando aquilo que ele julga como sendo mais relevante e essencial. A busca de informações pode se tornar mais profunda a partir do momento que o leitor faz perguntas do tipo “por que eu estou lendo esse texto?” ou “para que estou lendo esse texto?”, assim é possível ir desenrolando as ideias e responder questões pré-estabelecidas e outras perguntas que podem vir à tona. Entretanto, será que apenas a busca dessas informações é suficiente para a produção de sentidos de um texto?

Isso nos leva a refletir sobre a segunda prática, o estudo do texto. O que difere essa prática da primeira é a abordagem utilizada pelo leitor em relação a aquilo que lhe é apresentado. O estudo do texto consiste em analisar a coerência e apresentar argumentos para verificar se, de fato, o conteúdo abordado nele é verídico. Esse estudo permite que o leitor identifique a natureza do texto, explore a tese defendida nele e possibilita o desenvolvimento de uma opinião concreta sobre aquilo que foi apresentado, podendo ela ser contrária ou a favor. A título de exemplo, ao estudar um texto narrativo, em vez de analisar a tese contida nele e seus respectivos argumentos, o leitor pode se aprofundar no conteúdo, buscando entender os diferentes pontos de vista possíveis, o porquê de certos personagens agirem daquela maneira descrita e analisar diversas interpretações, juntamente com o jeito que as informações estão dispostas.

É notável que uma boa leitura é imprescindível para o entendimento de um texto, mas o que nos leva a ler um texto exatamente? Ao levantar esse questionamento, surge a terceira prática de leitura, o pretexto, o qual define um tipo de interlocução entre o leitor, o texto e o autor. O pretexto seria quando, a partir da leitura de um texto, se produz outro conteúdo. Após a leitura de um texto na escola, por exemplo, o professor(a) pede para que se faça uma atividade baseada naquele texto lido anteriormente, o que seria um tipo de pretexto. Dentro dos textos, verbais ou não verbais, contém várias ideias e sugestões para serem reproduzidas, dando novos sentidos, novas interpretações e despertando o lado crítico e criativo de cada leitor. A maneira que o pretexto é colocado pode afetar no interesse que o leitor irá desenvolver ao longo da leitura, o que nos leva a refletir sobre a última prática, a leitura por fruição do texto.

A fruição do texto consiste em ter prazer pelo ato de ler e não apenas ler por obrigação. Nas escolas, por exemplo, os professores estão constantemente passando textos para alunos em formas de atividades obrigatórias, colocando os alunos em uma situação de pressão contínua, dificultando o ato de ler por lazer. A maioria não enxerga a leitura como arte, mas sim como algo técnico e automatizado que todos temos que realizar, o que está longe de ser verídico. Ler é analisar um texto, colocar-se dentro dele, argumentar sobre o que está acontecendo ali dentro e interpretá-lo por livre e espontânea vontade, ler pelo simples prazer de ler.

Além dessas quatro práticas abordadas anteriormente, existem também as chamadas concepções redutoras de leitura (Ezequiel Theodoro da Silva, 1999) as quais consistem na simplicidade em que a leitura é apresentada tradicionalmente, resultando na simplicidade também dos pensamentos. Todo indivíduo é exposto a essas práticas redutoras, mas elas não dão conhecimento o suficiente para desenvolver o processo de produção de sentidos, é preciso algo a mais. Todavia, obviamente, não podemos desconsiderá-las, apenas ter em mente que elas sozinhas não são o bastante.

A primeira delas é o ato de ler em voz alta. Claro que é algo extremamente necessário para o desenvolvimento oratório do leitor (quando aprende a pausar a leitura através dos sinais gráficos, por exemplo), mas o fato de uma pessoa conseguir ler determinado texto em voz alta não significa que ela o entendeu de fato. Outra concepção é a de que ler é decodificar mensagens, uma ideia que também não significa produzir sentidos. Ao decodificar uma mensagem, é possível identificar o assunto que está sendo abordado, entretanto não é o suficiente para entendê-lo realmente, pois saber o conteúdo não implica em saber interpretá-lo.

Além disso, ao adentrar na terceira prática redutora, há quem acredite que ler é dar respostas aos sinais gráficos. Ao afirmar isso, dá-se a entender que todo texto possui um tipo de questionamento e que, se o leitor não obtiver uma resposta para tal, significa que ele não é inteligente. Essa afirmação está errada por dois motivos: o primeiro é que, de fato, textos podem levantar questionamentos, mas o papel do leitor é analisar as informações e produzir diferentes interpretações para aquilo que está sendo falado, não apenas obter uma resposta certeira e pontual; o segundo faz menção ao leitor ser julgado como alguém burro por não ter acertado a resposta. Cada indivíduo tem o seu jeito de ler, aprender e interpretar, então não se pode dizer que alguém não é inteligente pelo simples fato de não ter conseguido dar sentido para uma certa ideia contida em um texto.

Pensar que um texto possui uma ideia a ser analisada, leva-nos a prática redutora que diz que ler é extrair a ideia central. Novamente, é importante analisar as ideias presentes no texto, porém essa concepção faz parecer que todo texto possui apenas uma ideia que precisa ser extraída e que o resto das informações não é importante, interferindo no processo de produção de sentidos como um todo, pois diferentes interpretações dos textos podem levantar várias ideias e não apenas uma. Ademais, existe também a afirmação que ler é seguir os passos da lição do livro didático, o que interfere na prática de leitura por fruição vista anteriormente. Ao focar apenas na leitura padronizada dos materiais didáticos, o aluno cria na sua cabeça um estereótipo e desenvolve um certo desinteresse pela leitura, podendo interferir também na compreensão do texto. Atividades didáticas são importantes para testar o conhecimento dos leitores, porém não são o suficiente para realmente entender o texto.

A última das práticas redutoras consiste em dizer que ler é apreciar os clássicos, algo que leva os indivíduos a acreditarem que se deve apenas ler livros da literatura clássica que foram escritos centenas de anos atrás, o que não é verdadeiro. Ler os clássicos é importante para entender como a cultura e o pensamento atual foram construídos, porém qualquer tipo de leitura tem algo a oferecer para a vida das pessoas, portanto toda leitura é importante para trazer conhecimento aos leitores.

As concepções redutoras de leitura, juntamente com as práticas também de leitura, são conceitos que ajudam a entender o processo de produção de sentidos. Sendo assim, é seguro dizer que elas se relacionam entre si, permitindo assim que os leitores produzam sentidos a partir dos textos. Sendo assim, como se dá o processo para a produção de sentidos em si?

A produção de sentidos se dá através das condições de produção (contexto), as quais fazem a abordagem do sujeito, da situação, da memória social e do jogo de imagens. Para explicá-las, utilizaremos o exemplo da imagem a seguir:

Imagem disponível em: https://new.mardingezituru.com/16090-2/.

Ao observar essa imagem, percebe-se que o sujeito é uma mulher que está sendo obrigada a mudar o seu estilo de vida. É possível chegar a essa conclusão, pois, através das informações dadas, identifica-se que, em uma primeira situação, esse sujeito desfrutava de uma vida boa, na qual as coisas eram coloridas e o mundo era cheio de luz. Já na segunda situação, essa mulher está acorrentada e se encontra com uma expressão nada agradável no rosto, demonstrando a tristeza e o sofrimento que ela está vivenciando.

Após um pequeno estudo desse texto não verbal, percebemos a situação a qual esse sujeito se encontra, usando também o pretexto para produzir teorias e levantar questionamentos sobre a situação apresentada. Partindo do pressuposto que a mulher se encontra triste, reflitamos no porquê dela estar desse jeito. É notável que a sociedade, desde sempre, impõe padrões e comportamentos para serem seguidos, resultando em um eterno ciclo da naturalização de estereótipos impossíveis de serem alcançados e quem se encontra fora deles é consequentemente excluído ou forçado a mudar de vida. No exemplo acima, pode-se concluir que o sujeito vivia a sua própria vida, escolhia as próprias cores e estava feliz com a sua identidade, a mulher da ilustração vivia em um mundo iluminado, onde tudo estava em harmonia. No entanto, ao conviver com uma sociedade que prega a padronização de pensamento, onde todos têm que agir, falar, vestir-se e pensar da mesma maneira, tornar-se alienado pela mídia e pelo governo esse sujeito foi forçado a mudar completamente, o que pode ser a causa da sua tristeza. O lado escuro representa o mundo onde todos são iguais, tudo virou preto e branco, e a mulher está claramente triste por ter as suas cores apagadas, além de estar acorrentada, sem saída e sem defesa alguma para lutar contra esse sistema.

A produção de sentidos faz o leitor refletir mais sobre o texto, ao tornar a leitura uma tarefa prazerosa para ele, desenvolvendo também uma certa empatia com o sujeito. Ao ter esse contato com a situação e com a mulher, consequentemente o leitor irá desenvolver um tipo de memória social, ou seja, o texto faz o leitor lembrar de uma situação que ele vivenciou ou algo que outros indivíduos tiveram de enfrentar. Ao observar essa imagem de uma mulher sendo obrigada a mudar os seus princípios, o sujeito pode se sentir triste, pois talvez ele tenha passado por uma situação parecida e sabe o quão difícil é. Ele também pode ter consciência de que milhares de pessoas são silenciadas por pensar diferente todos os dias, o que cria um sentimento de revolta dentro dele.

O último aspecto a ser analisado nessa imagem é o jogo de imagens (formações imaginárias). Pensemos no sujeito, primeiramente, a mulher tem a imagem de que ela é diferente das outras pessoas, o que a faz ser feliz e realizada, o que não é diferente da imagem que o leitor tem do sujeito. Levando isso em consideração, o leitor pode chegar à conclusão que o sujeito passou por aquela situação específica, por isso está conseguido transmitir uma mensagem através da foto; quanto ao leitor, ele tem uma imagem de si mesmo, reconhecendo que ser obrigado a mudar o seu estilo de vida é difícil e que ele está disposto a receber a mensagem que o sujeito quer passar. Em seguida, é necessário analisar o ponto de vista do sujeito e descobrir sobre o que ele acha que está falando, no caso, a mulher do texto está “falando” sobre como foi forçada a ser uma pessoa que ela não é. Em relação ao ponto de vista do leitor, ele precisa observar o texto e questionar sobre o que está sendo falado para ele. Após um estudo do texto, percebe-se que o objetivo dele é criticar a sociedade que constantemente aliena uma população para que não haja questionamento algum em relação aos padrões exigidos por ela.

Por fim, é notável perceber que as práticas de leitura são de extrema importância para a produção de sentidos de um texto, facilitando a sua compreensão, trazendo a fruição e o conhecimento para o leitor. Como futuros professores, pensar em maneiras de inovar a abordagem do ensino é fundamental para a aprendizagem do aluno, pois a leitura é algo que o marcará para o resto da vida. Então, conclui-se que, para realmente ler um texto, é necessário estar atento e fazer o uso das práticas de leitura, pois ler vai muito além de passar o olho pelo texto sem entender o conteúdo apresentado nele, ler é interpretar o que está sendo abordado através da produção de sentidos. ■

Referências bibliográficas

GERALDI, João Wanderley. et al. (org.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo Ática, 1999.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Concepções de leitura e suas consequências no ensino. Perspectiva, v. 17, n. 31, p. 11-20, 1999.