Resenhas

Resenha Savage x Fenty Vol 2

Uma avaliação da incorporação dos conceitos da marca no desfile

08-04-2021Por Isabelle Caroline de Queiroz Pavani (isabellepavani@gmail.com)Aluna de Letras-InglêsOrientadora: Aline Scarmen Uchida

“Savage x Fenty Show volume 2” é um documentário que tem como objetivo registrar o mais atual desfile da marca de lingerie “Savage x Fenty”, que pertence à cantora, compositora, atriz e empresária Rihanna. Além de continuar exibindo seus produtos e ideais defendidos, o mais recente show também pretende contar uma história de empoderamento e aceitação dos seus colegas para servir de inspiração ao seu público-alvo. A obra cinematográfica foi dirigida por Alex Rudzinski, conhecido por “Grease: Live”, gravada em Los Angeles e lançada em 2020 pela plataforma de streaming “Amazon Prime”. O documentário possui 56 minutos de duração, incluindo a filmagem do próprio desfile, mas possui também um material especial gravado fora do espetáculo e que contém cenas de entrevistas com as modelos, Rihanna, seus amigos e colegas de trabalho. Apesar de toda essa informação extra, o foco principal dessas cenas é a apresentação de palavras que definem os ideais pelos quais a marca acredita e luta, gerando discussões sobre seus significados para os envolvidos no desfile e para a própria marca de lingerie. Além disso, esse conteúdo extra deixa explícito que todos os conceitos abordados fazem parte de Rihanna, tornando claro que ela está envolvida em todos os processos da marca e não apenas na fase final para assinar a coleção. Portanto, ela comprova aos espectadores que de fato merece todo o mérito que vem recebendo desde o primeiro desfile.

Apesar do documentário ser voltado à gravação do desfile de moda, o principal objetivo não é dar enfoque às peças de roupa da “Savage x Fenty”, mas ressaltar como a lingerie é uma vestimenta inclusiva, que abrange pessoas dos mais variados gêneros, tamanhos, idades, etnias e religiões. Para a criadora da marca, Rihanna, além desse conceito, há outros que constituem a base da marca mundialmente reconhecida, como o empoderamento, a diversidade e a aceitação.

A primeira cena do documentário é a exposição da frase “contar a história” e a partir dela é gerada uma discussão sobre esse assunto. A criadora da marca, seus colegas de trabalho e as modelos do desfile discorrem sobre como essa frase remete à última parte de uma jornada e, por isso, carrega consigo, nessa trajetória, a experiência passada e as emoções conectadas a ela. Também é comentado como essas emoções podem ser ativadas em nós das mais diversas formas: por um aroma, um tecido, um som etc. E concluem que essa conexão emocional é o que faz valer a pena contarmos uma história. Após essa cena, somos levados para o espetáculo, onde a dançarina Parris Goebel apresenta uma coreografia ao som de um poema que descreve uma mulher “savage” (traduzido para o português, uma mulher forte), expondo suas principais características e crenças.

O próximo ato traz como foco a palavra inspiração e a partir dela é gerada uma nova discussão sobre como a criatividade faz parte do ser humano e como ela pode imprimir sentimentos em nós, além de vir de qualquer elemento, mas o que a torna única é nossa própria interpretação. Ou seja, como somos seres singulares e temos nossas próprias crenças, experiências e visões de mundo, refletimos nossas individualidades em nossas ações, permitindo que nossas interpretações da vida sejam vistas e, também, analisadas por nossos companheiros, com seus próprios ideais. Nesse mesmo fragmento, também é mencionado como ao vivenciarmos diversos desafios e culturas, expressamos os aprendizados e as inspirações que tivemos a partir delas e, segundo colegas de trabalho e amigos de Rihanna, a empresária é assim, já que ela experienciou as mais diversas situações e adversidades e, por consequência, isso é transmitido em suas criações, principalmente na fase final, na qual seus produtos acabam por contar uma história. Logo após essa reflexão, somos levados de volta ao show com as modelos desfilando ao som de diversas apresentações musicais.

Em seguida, temos a apresentação da nova palavra-conceito: humor. Nessa cena, os participantes e organizadores do desfile discorrem sobre como o humor influencia nosso jeito de vestir, de nos comportarmos e até mesmo nossa visão de mundo. Além disso, trata-se de como essa palavra dá vida às mais variadas personas que temos internalizadas, ativando novos níveis de confiança e empoderamento, podendo até mesmo fazer-nos transitar entre gêneros e sexualidades, a partir de roupas, acessórios e produtos que decidimos usar em um determinado dia. Mais adiante, há um enfoque em como a arte e a moda mostram nossa evolução ao longo do tempo, além de serem usadas como uma extensão de nossas expressões. Rihanna acredita nessa ideia de vestir-se de acordo com seu humor e, por isso, a incorpora em seu dia a dia.

Após a apresentação desse conceito, o desfile é retomado com uma apresentação de dança contemporânea em frente a um espelho distorcido, ao som de “He Loves Me”. Essa coreografia remete a como os padrões impostos pela sociedade distorcem a real imagem do que realmente é belo, nossos corpos como eles são e como devemos aceitá-los dessa maneira singular. Esse conceito é algo que os indivíduos também vêm se questionando e lutando contra, fato que fica claro a partir dos movimentos contínuos da dança e principalmente pela pose final, que mostra a dançarina encarando o espelho, como se estivesse pronta para enfrentar o que for preciso para defender o que acredita.

Ao final dessa apresentação, somos conduzidos à exibição do próximo conceito da marca: a sexualidade. Nessa parte, podemos verificar como esse vocábulo ultimamente está associado aos relacionamentos entre as pessoas e casais, mas que na verdade é algo íntimo, empoderador e humano, e por isso temos a liberdade de escolher se queremos compartilhar esse poder interior e divino com outros ou mantê-lo só para nós. Também somos lembrados que devemos nos vestir como quisermos e para quem quisermos, inclusive para nós próprios, ao invés de aceitarmos os padrões ditados pela sociedade. Logo em seguida, voltamos ao espetáculo, com novas apresentações musicais.

A próxima palavra exposta e comentada é comunidade. Nesse momento, então, podemos notar como Rihanna sempre pensou em incluir todos em suas criações e como isso é algo natural a ela, já que desde o início de sua carreira ela sempre pensou em pessoas reais, que estão presentes na sociedade, ou seja, aquelas com os mais variados tipos de corpos, religiões, gêneros e culturas, e como elas podem se sentir acolhidas pela sua marca. Essa consciência que a equipe da “Savage x Fenty” transmite ao público é fantasticamente percebida durante todo o curso do desfile, mas principalmente nas cenas iniciais e finais, nas quais há uma maior diversidade de modelos, todos transbordando autoconfiança. Através desse pensamento, a fundadora da empresa abriu um novo mundo de possibilidades e esperança nos mais diferentes campos, como no da maquiagem, da moda e da lingerie, para as mais variadas pessoas que estão presentes em nossa comunidade. Tanto para Rihanna quanto para sua marca, é importante sempre valorizar o que é único nas pessoas, fazendo com que elas aceitem quem são e que não tenham vergonha disso. Sendo assim, para que isto seja alcançado, é necessário superar os limites que comumente nos são impostos.

Após essas cenas de encorajamento, somos levados de volta ao desfile, onde temos os modelos desfilando ao som das faixas musicais “Open the door”, “Palo”, “Freak” e “Drenas”. As escolhas dos modelos e das canções se encaixam perfeitamente com o assunto comentado anteriormente, visto que todas as músicas desse ato tiveram o intuito de deixar explícito os conceitos previamente citados, já que toda a musicalidade presente no desfile tem o objetivo de mostrar sons de diferentes países e culturas. Como mencionado, Rihanna preza pela inclusão e aceitação de quem somos, sem esconder nossas origens, e nessa cena do espetáculo, temos tanto modelos homens quanto mulheres, com as mais variadas etnias e tipos de corpos, desfilando pelo cenário.

Ao final, todos os modelos se juntam com Rihanna para uma pose final e assim o desfile se encerra, mas não as apresentações musicais. O documentário então nos leva para uma espécie de depósito, fora do local da passarela, e temos uma apresentação de Travis Scott e Young Thug. Ao meu ver, essa performance ao final do desfile ofuscou o restante das apresentações, os catwalks das modelos e os produtos da marca apresentados, porque além de ser um número muito marcante, a letra da canção não faz referência a nenhum conceito abordado previamente, além de não ter modelos desfilando para encorajar e reforçar os ideais seguidos pela marca. Se não fosse por essa cena inesperada ao final, o documentário teria terminado de maneira coerente e impactante, sempre reafirmando seus princípios e contando uma história.

Apesar disso, podemos observar que a obra é formada por uma combinação de cenas e momentos diferentes, mas que se encaixam perfeitamente, já que Rihanna e seu time conseguiram apresentar todos os seus conceitos das mais variadas maneiras, sendo a partir das canções escolhidas, das apresentações de dança e até mesmo dos próprios modelos e seus corpos, etnias e crenças, além de estabelecer sempre uma relação clara dos ideais expostos com a proprietária da marca, reforçando sempre que seu reconhecimento é válido e fruto de seu trabalho ativo na “Savage x Fenty”.

Um ponto que vale a pena ser mencionado é que, embora sejam vistos muitos modelos, tanto mulheres quanto homens desfilando de roupas íntimas e fazendo poses sensuais, em nenhum momento é possível sentir vulgaridade: ocorre justamente o contrário pois, você, como espectador, se sente empoderado ao ver tantas pessoas confiantes. Tarefa difícil, mas que Rihanna e sua equipe deram conta de realizar e transmitir com muito cuidado, atenção e capricho.

Uma novidade que a marca incorporou nesse desfile e que é de extrema importância é a inclusão de peças masculinas, mas que qualquer pessoa pode usá-la, porém, isso acarreta em modelos masculinos desfilando e não somente mulheres, como no primeiro desfile. Essa integração é muito importante, pois gera discussões para um tópico muito significativo, mas pouco comentado: a construção da masculinidade em uma sociedade patriarcal. JJ Bola (2020), em seu livro “Seja homem: a masculinidade desmascarada”, discute como a virilidade é uma atuação que os homens são instruídos a executar desde muito novos, e como ao chamar atenção para um tópico importante e influenciar seu público masculino, o autor desmistifica as mais variadas lendas por trás dessa masculinidade tóxica que está enraizada em nossa sociedade patriarcal, que reprime e prejudica não só as mulheres, mas também os homens. Assim como Bola, Rihanna e sua equipe pretendem chamar atenção para esse assunto importante, desmascarando mitos e incentivando os homens a se aceitarem e se libertarem dos padrões físicos e psicológicos impostos a eles.

Entretanto, creio que o documentário falhou em apresentar mais detalhes dos bastidores do desfile, já que seria interessante exibir ao público como foi preparar um espetáculo tão grandioso com todos os impasses instituídos durante os tempos de pandemia. Apesar disso, a obra gera discussões sobre tópicos importantes de maneira marcante e graciosa, merecendo ser apreciada por aqueles que estejam envolvidos nessas causas e por todos que admiram um bom desfile de moda.

Referências bibliográficas:

BOLA, JJ. Seja homem: a masculinidade desmascarada. Porto Alegre: Dublinense, 2020.

IMDB. Alex Rudzinski. Disponível em: <https://www.imdb.com/name/nm1541136/?ref_=nv_sr_srsg_0>. Acesso em: 31 jan. 2021.

SAVAGE x Fenty Show. Direção de Sandrine Orabona e Alex Rudzinski. Nova Iorque: Amazon Prime Video, 2019.

Imagem da capa

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