Resenhas

Alice no País das Maravilhas

Muito mais do que uma história para crianças.

21-01-2021Por Lara Batista Rosa – Aluna de Letras Inglêslarabatista137@gmail.com Orientadora: Érica Fernandes Alves

O ano é 2020 e eu li Alice’s Adventures in Wonderland pela primeira vez. Pela grande quantidade de adaptações literárias e cinematográficas, nunca tive curiosidade de ler o livro, para mim, e para muitas outras crianças, a história acaba sendo algo intrínseco em nossas vidas. Quem nunca ouviu sobre a garota que perseguiu um coelho branco e caiu em sua toca?

Alice é uma garota inglesa de classe alta e inicia a história confiante de sua identidade e sabe que sua realidade é regida por regras rígidas que faziam parte da Era Vitoriana. Porém, apesar disso, mostra grande curiosidade, tanto que o autor, Lewis Carrol, cria vários neologismos em sua obra como a superlativo curiouser. Por pertencer à classe alta, Alice tem um certo ar de superioridade, de forma que fica surpresa quando o coelho a confunde com sua empregada.

Há quem compare o jardim do início da história com o jardim de Éden, que ao entrar na toca do coelho (comer do fruto proibido), Alice entra no mundo dos pecados: a puberdade. Prova disso, é que ao comer e beber certas coisas naquele universo, faz aumentar ou diminuir o tamanho de seu corpo, o que representa uma forte crise de identidade. Eu penso que todos podemos nos identificar com a cena em que Alice nada em suas próprias lágrimas, isto porque a adolescência não costuma ser um período fácil de transição.

Todas as personagens são peculiares de alguma maneira, mas gostaria de chamar a atenção para a Lagarta. Muito foi dito sobre ela quando as teorias freudianas sobre sexualidade estavam em alta. As pessoas começaram a reparar que nas ilustrações originais a Lagarta tinha um formato fálico, sem contar que ela é representada fumando um narguilé e em certa parte da história oferecendo cogumelos para que Alice mude de tamanho. Dependendo da interpretação de cada um, podemos até ver coisas onde não tem, mas interpretando deste modo, é um pouco assustador pensar que é um livro direcionado ao público infantil.

Outro personagem que gosto muito, e de certa forma me identifico, é o coelho branco. Ele está sempre desesperado por estar atrasado, o que podemos associar facilmente com os transtornos de ansiedade nos dias de hoje. Na história, o Tempo é o vilão, o coelho está sempre agitado olhando para seu relógio e o Chapeleiro Maluco foi condenado a uma eterna hora do chá pelo próprio Tempo, que se pararmos para pensar, também é um grande inimigo de todas as crianças no geral.

Aí vem as referências não tão explícitas, principalmente para crianças; por exemplo, quem saberia que o personagem do Porco (cena bem estranha, por sinal) é a representação de um rei inglês? Ricardo III, carregava o símbolo de um javali branco em batalha pela casa Lancaster (Rosa Vermelha) contra a casa York (Rosa Branca), na famosa Guerra das Rosas, quando era comum a decapitação, da qual a Rainha de Copas tanto fala, o que nos leva à cena em que Alice ajuda os cervos da Rainha a pintarem as rosas brancas com tinta vermelha.

A Inglaterra Vitoriana era uma época totalmente conservadora e com princípios morais rígidos. Alice começa a história entediada, por isso vai atrás do que é diferente, rompendo com o que era esperado de uma criança na época, principalmente de uma garota. Enfrenta figuras de autoridade e volta para sua realidade sem ser punida, o que era uma atitude comum para quem não seguia as regras, ninguém “corta sua cabeça”. Há um motivo para nada fazer sentido no País das Maravilhas: essa é a válvula de escape que Alice encontra de sua realidade severa, e é a forma que o autor encontra para criticar o vitorianismo opressor.