Resenhas

A Importância de NÃO ser Prudente

Oscar Wilde ainda tem muito a nos dizer sobre nossas relações modernas.

25-11-2020Por Lara Batista – Aluna de Letras Inglêslarabatista137@gmail.comProfessora: Érica Fernandes Alves

A peça de teatro The importance of being earnest ou “A importância de ser prudente” foi escrita no verão de 1894 e é um retrato de como o autor Oscar Wilde olhava para as relações da sociedade vitoriana, que, em sua maioria, eram baseadas em interesses próprios e mentiras. Wilde usa um tom completamente irônico para fazer essa crítica. Na adaptação fílmica de mesmo nome e traduzida para o português como "Armadilhas do Coração”, lançada em 2002 e dirigida por Oliver Parker, podemos observar ainda mais claramente essas críticas com a ajuda de um elenco de peso, que inclui Colin Firth, Reese Witherspoon e Judi Dench.

Em suma, esta é uma história sobre dois amigos, Jack e Algy, que usam pseudônimos para praticarem atividades em seu próprio interesse, no entanto, quando eles começam a usar o mesmo, Prudente, com o intuito de se casarem com suas amadas, iniciam-se as confusões, pois essas mulheres atestam que sempre sonharam em casar-se com um homem chamado Prudente e não aceitariam outro. Em inglês, a palavra Earnest significa ‘sério’, ‘sincero’ e também pode ser um nome próprio. A genialidade de Wilde começa aí.

O nome Prudente já é, em si, de forma irônica, uma crítica, pois ele carrega todos os valores da sociedade Vitoriana. Para Wilde, na peça (e na vida real), a prudência é apenas um senso de falsa moralidade e essa falsa moralidade é o que não falta na obra! Me chamou a atenção, logo quando as personagens Cecily e Gwendolen se conhecem, a fala de Cecily: “Sempre que alguém tem algo desagradável a dizer, deve ser bastante franco.” (WILDE, 2013, p. 35) Sabemos que as coisas não funcionam bem assim... e também a fala de Gwendolen: “O importante é o estilo e não a sinceridade.” (WILDE, 2013, p. 40). No filme, isso fica claro quando a personagem diz que não acredita em Jack, mas que isso não muda a beleza de suas palavras... (quem nunca caiu nessa, né? hahaha).

Outro fato que me chamou a atenção, na verdade, que me assustou, foi o de como a imaginação de Cecily é exageradamente fértil. Ela mesma criou uma fantasia de que ela e Prudente (Algy) já estavam noivos há meses e que, inclusive, já haviam rompido e reatado o relacionamento, pois para ser levado a sério um relacionamento precisa ser rompido alguma vez. (???). Cecily inclusive escreve cartas para ela mesma se passando por Prudente, o que acho que seria o equivalente a começarmos a conversar com alguém através de redes sociais e já imaginarmos o casamento, o nome dos filhos... ainda bem que hoje em dia existe terapia pra isso!

Uma das cenas mais cômicas ocorre quando Cecily e Gwendolen ficam encantadas com a atitude (simples) de Jack e Algy de se batizarem novamente, mas dessa vez com o nome Prudente e dizem que, quando o assunto é sacrifício, as mulheres têm muito o que aprender com os homens. Eu ri, mas foi de nervoso.

As personagens secundárias da peça também são bastante ‘prudentes’. Lady Bracknell acha que as mulheres devem sempre mentir sobre suas idades e apenas permite que sua filha Gwendolen se case com Jack quando descobre que ele, na verdade, possui uma grande herança. Miss Prism também escondeu um segredo por anos e que muda todo o rumo da história, além de ser o interesse romântico do reverendo Chasuble, que é um... reverendo!!!

Ao final da peça, Jack pede desculpas à Gwendolen por ter dito sempre a verdade sobre sua identidade (sim!), ao descobrir que seu verdadeiro nome é Prudente, porque, como ele mesmo diz, “que coisa terrível para um homem descobrir que passou toda sua vida falando nada além da verdade!” (WILDE, 2013, p. 54). Provavelmente, porém, o roteirista do filme, Oliver Parker, assim como eu, deve ter achado o final absurdo, mesmo identificando todo o tom irônico da peça e, ao final do filme, temos a confirmação, somente para os espectadores (e para Lady Bracknell que fica calada), de que Jack realmente mentiu mais uma vez, pois seu verdadeiro nome é John e assim todos terminam a peça “felizes para sempre”. Mesmo com essa diferença entre os finais, é impossível negar a habilidade de Oscar Wilde ao fazer uma crítica tão apurada das relações da sociedade Vitoriana, sem explicitamente fazê-la, a partir de uma sátira considerada uma comédia de maneiras e também uma farsa. Hoje, conseguimos ver a peça com um olhar crítico e identificar o que ainda acontece ao nosso redor, mas, provavelmente, naquela época, foi vista por muitos apenas como uma comédia superficial, o que é uma pena.



WILDE, Oscar. The Importance of being Earnest. New York: Dove Publications, 2013.

Imagem da capa: Pixabay.