Produção Literária

Um novo deus, um bem chato

22-09-2021Rafael Zulato GomesLetras Português-FrancêsE-mail:zulatolerafazz@gmail.com

Imagem: Saturno devorando um filho, de Francisco de Goya .

É um fato. Mais que isso, é um veredito reconhecido perante o tribunal: não há nada que eu respeite mais que a tecnologia. Ela sugere – eu faço, ela explica – eu concordo, ela manda e eu com o rabo entre as pernas obedeço.


Se o sistema precisa ser atualizado, o que é frequente nesse mundo apressado, não penso duas vezes quando a sugestão aparece na delicada tela. Fico lá, a observar o resultado da ação que esse grande oráculo digital sugeriu. Se não há internet – pavor! - cogito o fim do mundo e a morte das espécies. A tecnologia é coisa séria.


O relógio, por exemplo, não é para amadores. Você deve obedecê-lo sem questionamentos. Afinal, o tempo de sua vida agora o pertence. É ele quem determina quando você sai, quando volta e quando tem um tempo para ficar sentado em algum banco olhando os intermináveis aplicativos que somente a tecnologia nos proporciona. Bater um papo com os amigos? Use o aplicativo. Pessoalmente leva um tempo que o relógio não está disposto a ceder.


Tenho amigos que não encontro a anos. Em algum canto dessas milagrosas redes sociais tem algum que talvez eu nunca tenha visto. Nosso modo de amizade é moderno. Mensagens instantâneas! É como estar lado a lado. O único problema é que não podemos ouvir a voz e identificar os sarcasmos e ironias. Não... Espere... Cancele o que foi dito. Acabo de receber uma mensagem de voz.


Falando em aplicativos, existe um para cada atividade diária. Você compra algo sem ir a loja alguma. Faz o pagamento sem ir a banco algum e em alguns lugares até recebe o produto sem ir receber entregadores em seu portão. Fazer o pedido da comida com apenas alguns cliques, o que é importante para não perder muito tempo com telefonistas que nunca entendem a forma de pagamento. O relógio gosta disso. Até para namorar! Ou conseguir sexo... Aplicativo! Apelativo e obsceno. Deus é bom.


O que podemos não ter percebido é que a tecnologia, com todos seus milagres trazidos para a vida moderna, é Deus, as lojas são templos onde podemos adquirir um pouco dele nos dias de promoções e os técnicos são os padres, profetas, sábios, use o nome que quiser, quando há algum problema em nossa conexão com esse novo e complicado Deus, eles chegam com suas soluções e conselhos para que não desvirtuemos do caminho sagrado.


Não há como competir com um Deus e essa é a razão para que eu respeite a tecnologia acima de tudo: amar a Deus acima de todas as coisas – é bíblico.

Imagem da capa

Saturno devorando a un hijo (Saturno devorando um filho) - Francisco de Goya - Obra de domínio público.