Produção Literária

Chérie e seu menino


A gata da dona vizinha vivia passeando na rua, de longe todo mundo já conhecia a Cristal. Passeadeira que só ela, ia para a rua de cima, para a de baixo, subia no telhado e se escondia embaixo dos carros. Há quem diga que até já tinha visto Cristal perto do grande supermercado que é bem longe de onde a dona morava. Por causa desses passeios, como era de se imaginar, não demorou muito e Cristal aparece barriguda, e a dona já sabia o que ia acontecer.

Alguns meses se passaram e a Cristal teve 4 filhotes. Por causa dos filhotinhos, ela deixou de sair de casa, e todos os vizinhos se perguntavam por onde ela andava. A dona vizinha esperou os gatinhos pararem de mamar e já os colocou para adoção. Eram 3 fêmeas e um macho, e, primeiramente, todos foram oferecidos aos vizinhos.

Na família que morava de frente com a dona eles já tinham tentado ter cachorro e não deu muito certo, mas o menino e a menina queriam muito um bichinho de estimação, então toda a família resolveu dar uma chance a um filhotinho da Cristal. A menina, filha mais velha, foi lá conhecer os gatinhos com a missão de descobrir se ali teria um bichinho que fosse bom para toda a família.

Chegando na casa da dona ela já viu a cena mais fofa, 3 peludinhos brincando no chão, eles eram todos do mesmo tamanho, mas de cores diferentes. Tinha um branquinho, um pretinho e um laranja com preto e branco. Eles rolavam pra cá e pra lá, derrubavam ração e água e a dona reclamou que só dava pra limpar a área quando eles dormiam, porque aqueles 3 eram muito espoletas.

A menina, então, perguntou se algum filhote já havia sido adotado porque ela sabia que, na verdade, eram 4 filhotes. A dona respondeu que a quarta era uma gatinha muito tímida e que sempre se escondia quando alguém novo entrava no ambiente. Ela sugeriu que a menina procurasse embaixo de umas cadeiras no canto da área, que era o esconderijo favorito da gatinha.

Quando a menina se abaixou, viu uma gatinha muito encolhida e assustada, e pegou a pequena que tinha o coração batendo de uma forma muito acelerada. Ela colocou a gatinha sobre o peito e começou a fazer um cafuné, ao qual a gatinha não resistiu, fechou os olhinhos e começou a ronronar. Os irmãos dela não viram nada, continuavam a brincar e a derrubar tudo no chão. A dona foi instruindo a menina do compromisso e responsabilidade que é ter e cuidar de um gato em casa. A gatinha ficou no colo da menina e ficou tanto que ela nem viu que a gatinha dormiu.

Mas era um sinal, a gatinha assustada encontrou um colo pra dormir em paz, e a menina resolveu ali que essa era uma excelente pet pra levar para casa, e a família toda amaria ela.

Em casa com o irmão caçula a animação estava a mil com a nova bichinha. Juntos, os irmãos providenciaram caminha, potes e caixa de areia com tudo que tinham em casa. Estavam só esperando os pais chegarem com a ração para o animalzinho ter tudo. Eles ficavam horas observando a gatinha, e aos poucos foram aprendendo do que ela gostava de brincar, que horas gostava de dormir e qual ração gostava mais.

Resolveram chamar a gatinha de Chérie, a amiga da mamãe que sugeriu um dia que ela passou por ela, ela disse que significa querida em francês e que fazia todo o sentido porque uma gata tão gentil e carinhosa merecia um nome que fosse a altura dela. A família toda concordou e assim resolveram chamar a gata, só que no dia a dia a gatinha tinha um apelido: Che.

A Che cresceu brincando com as suas crianças, correndo atrás deles de dia e de noite em casa, caçando cordinhas, afiando as garras no arranhador, se recusando a beber água que não se movia, e por isso até ganhou uma fonte. Ela também gostava de observar sua família tomar banho, que diferente dela, não era com a língua.

Para a Che todos da família eram legais. O papai limpava a areia e dava pedacinhos de frango no almoço quando ninguém via, e a Chérie sempre fazia companhia bem cedinho para o papai no café da manhã, assim ele não tomava café sozinho. A mamãe sempre dava um espaço no sofá para assistirem TV juntas, ela também deixava a Chérie assisti-la temperar carne no almoço. A menina era bem legal de brincar, e ela sempre aparecia com petiscos. Mas a Chérie gostava mesmo era do seu menino. Ele era quentinho e companheiro, sempre chamava a Che para fazer tudo junto com ele: dormir, jogar no computador, ver TV e até entrar no banheiro para meditar.

Eles acordavam todos os dias juntos, porque a Che dormia com ele, e antes de levantar ele sempre ficava algum tempo fazendo carinho nela. Eles levantavam juntos todos os dias, e o menino até inventou um assobio especial só para chamar a Chérie. Se ela estivesse dormindo, acordava e ia até ele sempre. Ela sabia que se ele estava chamando, era porque queria a companhia dela.

O menino gostava de pescar, e sempre que ele sentava no chão para arrumar seu equipamento, a Chérie ficava junto apreciando o cheiro e as coisas que o menino sabia fazer. Eles passavam muito tempo em casa juntos, e a gata cuidou dele quando ele teve dor de estômago, ronronou para que ele melhorasse e ficou do lado dele até ele ficar bem. E ele cuidou dela quando ela foi castrada, trocou o curativo, cuidou dos pontos e a assistiu aos poucos se recuperar totalmente.

E o tempo passou.

O menino passou a ficar menos tempo em casa, porque agora tinha obrigações, por isso cada momento com ele era sempre muito precioso. Estar junto dele no quarto, na cozinha, no banheiro era sempre importante. Assistir filmes e fazer refeições também eram sempre em companhia, ela dele e ele dela. E assim a Chérie era feliz.

E o tempo passou.

Um dia o menino chegou em casa com uma outra humana, de um cheiro diferente que a Chérie não gostava. E essa humana passou a frequentar a casa mais vezes, e mais vezes. No começo era fácil da Che se esconder dela, mas depois ela já não se importava mais. Chérie também não entendia porque agora não podia mais ficar com o menino no quarto quando essa humana estava em casa. Ela miou e arranhou a porta pedindo para entrar também, mas ninguém abriu. Ainda bem que não era assim todo dia, pensou Chérie. Então ela ainda estava feliz.

E o tempo passou.

Numa noite chuvosa Chérie estava escondida porque odiava trovões. Ela preferia estar com o seu menino, mas ele ainda não tinha chegado em casa. Pensando nele, o menino chega. Che vai recebê-lo na porta, mas chegando perto sente um cheiro diferente. Não era um cheiro esquisito de humano, mas era um cheiro ruim que ela nunca tinha sentido. O que poderia ser isso? Fazia ela ficar com os pêlos do corpo todos em pé. Olhando para seu menino, ela vê nas mãos dele um animalzinho peludo.

Chérie ficou extremamente irritada, miou alto, ficou toda eriçada e tentou até atacar o que quer que estivesse no colo de seu menino. Mas foi segurada. O menino correu para seu quarto e fechou a porta, deixando a Chérie para fora. Ela não entendia porque o menino queria ficar no quarto com outro bicho, e por isso ela não estava feliz.

E o tempo passou.

A Chérie esperou o menino vir falar com ela, procurar sua companhia. Ela até foi perto dele algumas vezes para facilitar, afinal, vai que o menino tivesse esquecido que eles eram melhores amigos… Só que nada adiantava, o menino simplesmente não dava bola para ela. Quando ela jogava a cordinha era para o outro gato, quando ele assoviava o outro gato ia antes. Ela até via que o outro gato sempre estava no colo do menino, e assim ela foi aprendendo a ficar só. Nem feliz e nem infeliz, somente só.

E o tempo passou.

O filhote que o menino trouxe naquele dia foi crescendo, e sempre procurava ela para incomodar, queria atacá-la, morder o rabo dela e a Che não gostava disso. Logo ela passou a frequentar os lugares mais altos da casa, como em cima da mesa e dos armários, e sempre que ele vinha perto ela rosnava e tentava deixar o mais claro possível que não queria amizade com ele. E talvez seja até esse o motivo que um dia apareceu um outro filhote, e agora eles podiam brincar juntos e deixar a Chérie em paz. Mas a gatinha não queria mais bichinhos em casa. Nessa hora ela realmente não estava feliz.

E o tempo passou.

Passou tanto que agora Chérie era a mais velha de 4 gatos em casa. Ela normalmente não gostava de ficar perto dos outros, então seus lugares favoritos eram em cima da geladeira ou no banheiro da mamãe e do papai, porque os outros bichanos não frequentavam e ela podia dormir tranquilamente. E, assim, ela ficava um pouco mais feliz.

E o tempo passou.

Ficando tanto tempo no banheiro, a Chérie descobriu que a mamãe é uma boa companhia. A mamãe escovava a gata e conversava com ela todos os dias. As escovadas não tinham hora marcada, então todas as vezes que a mamãe ia ao banheiro a Chérie a seguia, porque a escova ficava lá, e a Che adorava ganhar umas escovadelas. Ela também amava assistir a mamãe cozinhar e ganhar uns petiscos enquanto isso, claro. Sem falar que a mamãe era ótima porque ela sempre chamava a Chérie primeiro na hora da janta, e deixava ela ganhar o primeiro pote, além de fazer um carinho na gata quando elas assistiam ao jornal na televisão.

A Chérie gostava muito da mamãe, e a mamãe fazia a Chérie feliz.

Outro dia ao fazer o almoço a mamãe teve que fazer uma pausa, e a Che que estava deitada já se levantou. Ao ver a mamãe saindo, ela seguiu a dona, e por mais que a mamãe já tivesse saído, ela sabia a direção e foi encontrá-la no banheiro. Mas ao chegar lá teve uma surpresa, quem estava no banheiro na verdade era o menino.

Fazia tempo que a Chérie não reparava nele, então na porta ela o observava. A gata sabia que era o menino porque, mesmo sem parecer ele, falava do jeito e cheirava igual a ele. Mas Chérie sabe que não era mais o meu menino. Eles se olham e ele a chama, convidando-a pra ir ficar perto dele. A Chérie retribuiu o olhar no olho, pisca lentamente.

Inspira.

E sai a procura da mamãe.


Por Anna Augusta Cazeloto Ioris (Aluna do curso de Letras Inglês/UEM) Orientadora: Érica Fernandes Alves. Data da publicação: 19/11/2020