Morfossintaxe

Um trabalho inconsciente do falante de português

Marcadores Conversacionais: análise de um diálogo


11-03-2022Por: Luana Neris de Macedo (ra113167@uem.br)Aluna de Letras-Inglês e Literaturas CorrespondentesOrientador: Hélcius Batista Pereira
A língua portuguesa não é, apenas, uma língua permeada por regras, normas, textos, palavras, letras, ligada diretamente à escrita. Na verdade, essa concepção compartilhada por muitos indivíduos deve-se à experiência de aprendizagem do português nas escolas, que usa como base de ensino a gramática conduzindo à norma-padrão. Contudo, é importante (re)lembrar que a fala antecede a escrita no aprendizado de uma língua, o falante aprende com outros falantes o seu idioma, mesmo não tendo consciência desse trabalho. A língua é viva, mutável e influenciada diretamente pelos seus falantes, como se ela própria fosse uma pessoa viva, construindo o seu destino.Embora a escrita se mostre cheia de regras e, por isso, é fácil distinguir da fala, até mesmo como se tornasse dois tipos diferentes de português, o falante também desenvolve padrões em sua oralidade sem compreender que existe uma organização na sua prática, não obrigatoriamente, mas de casos comuns aos falantes. E mais, a fala induz o uso de recursos orais, livres de sentidos, dependendo, exclusivamente, do contexto para sua compreensão, no entanto, mostra um raciocínio do indivíduo em ordenar seu discurso.Exatamente, por isso, que gêneros textuais orais, conversas, discursos podem ser objetos de estudo, porque trazem a particularidade da fala carregada de variação linguística, expressam sentidos diferentes em razão, por exemplo, de fenômenos fonéticos e fonológicos, exprimem interações, entre vários outros. Além disso, há elementos que, dificilmente, encontramos na produção escrita empregados, frequentemente, pelos próprios falantes, como os marcadores conversacionais que ajudam a construir, dar coesão e coerência ao texto falado, principalmente dentro do enfoque conversacional, ou seja, são espontâneos dentro do diálogo (URBANO, 2001).Sendo assim, neste estudo, tratamos da fala e de seus marcadores demonstrando que o indivíduo se utiliza deles para criar tempo, arranjar as sentenças. Apresentamos um trecho de transcrição escrita de um falante, retirada do Corpus NURC/SP - inquérito DID No 137 – cujo texto integral pode ser acessado neste link: https://nurc.fflch.usp.br/node/99 -, para expor alguns desses marcadores que podem surgir durante uma conversa. Contudo, por mais que recorramos à escrita, a sua transcrição serve de apoio para a análise precisa da oralidade.Identificamos que o falante, muitas vezes, começa uma frase e a termina sem trazer seu argumento, “lá visitei várias cidade porque” (linha 8), não tendo conexão com os termos seguintes, “só de carro andei mais de seis mil quilômetros" (linha 9) e “cerca de quatro milha”; quebra a coesão de sentido do texto, quebra a linha de raciocínio para, apenas, adicionar uma informação aleatória: andou muito de carro enquanto estava nos Estados Unidos. Aqui, ele usa de marcadores conversacionais linguísticos lexicalizados, que na conjuntura possuem significado próprio, mesmo aparentando estarem dispersos da unidade do texto.Outro marcador interessante de apontar, experienciado e reproduzido por boa parte dos falantes do português brasileiro, é o uso do termo “né?” que se repete do início ao fim do texto. Neste caso, ele acompanhado por uma entoação de pergunta, dado que pede a participação do outro, como no exemplo: “devemos…lembrar daquelas cidades onde estivemos anteriormente, né?”, mas também assume um sentido de testar o grau de atenção do colega (“é a cidade-mater do Brasil, né?” (linha 22)) como um tipo de elemento conversacional não lexicalizado, desprendido de base significativa. Aliás, o falante faz, constantemente, uso de outro termo não lexicalizado, também muito comum, tal como ‘ah’, aqui valendo-se de processo de pausa na fala, expressando hesitação antes da pergunta “...ah::...devemos [...]” (linha 4) ou em “ah::: as dificuldade [...]” (linha 20) que compreende-se que o falante ganha tempo para pensar sobre a próxima sentença.Como marcador prosódico enquadra-se o intervalo entre as palavras, a mudança de ritmo, o alongamento da produção do som, a altura, bem como na frase “por que aQUI” (linha 19), chamando atenção do outro locutor e marcando a ideia de que a próxima fala é importante, e ainda, ressalta sua proximidade com a cidade de São Paulo; sua opinião não é de qualquer um e sim de um morador da cidade. Todavia, pausas recorrentes, também, são marcadores prosódicos, como em “nós sabemos que São Paulo é a::: cidade [...]” (linha 22), em que ocorre uma pausa dramática cativando a atenção do outro para depois, enfim, jogar as palavras novamente.Logo, os marcadores conversacionais são relevantes para o estudo interacional, pois demonstram particularidades comuns aos falantes, como relacionam-se entre si, e como a língua não é isolada de influência exterior ao indivíduo. Até mesmo as pausas regulares podem expressar algum tipo de comportamento como nervosismo, hesitação, dúvida, atenção entre o falante e o ouvinte. Então, a fala, enquanto processo espontâneo e momentâneo, evidencia uma tentativa do falante de buscar uma linearidade de argumentos que o auxiliam a alcançar a mensagem que quer compartilhar, mesmo que esses argumentos pareçam ser jogados livremente na sentença sem coesão de sentido. REFERÊNCIAS
URBANO, H. Marcadores conversacionais. PRETI, D. Análise de textos orais. São Paulo: FFLCH Humanitas, 2001, pp. 81 – 102.
CRÉDITOS DA IMAGEM DE CAPA:
FREEPIK.