Morfossintaxe

O poder da gramática para efeito de sentido:

Uma análise da sinopse do filme Duna

28-01-2022Por: Luana Neris de Macedo (ra113167@uem.br)Aluna de Letras-Inglês e Literaturas CorrespondentesOrientador: Hélcius Batista Pereira

É dever da educação escolar ensinar a norma-padrão da língua portuguesa, seus aspectos e sua formalidade. Como o próprio nome evidencia é uma construção abstrata de padronizar a língua, resultando em uma uniformização do português, ou seja, independentemente de onde o indivíduo se encontra, existem regras que regulam seu funcionamento: a famosa gramática.


O seu estudo permite entrar em contato com aspectos da língua muito interessantes, inteiramente relacionados com a comunicação, a inter-relação e a construção social-histórica, entre outros. Por mais que seu aprendizado, muitas vezes, foca apenas em apontar as funções sintáticas de cada elemento da oração como uma característica apenas estrutural, é necessário destacar que, assim como a língua, a gramática não é isolada. Afinal, todo texto e a fala produz efeito de sentido e somente em apontar se é um sujeito ou não, não é suficiente para a real interpretação; obviamente, é fundamental entender e diferenciar suas partes, mas, principalmente, levar em consideração que a gramática sofre influência do contexto em que foi produzida, de quem disse, a entoação, a ordem de cada elemento, e ainda, as palavras escolhidas pelo locutor, propositalmente, para produzir um específico efeito de sentido, por exemplo. A sintaxe, gramática que estuda as orações e suas partes, não é isolada como a gramática tradicional aponta.


Existe, em nosso sistema linguístico, uma ordem natural pela qual distribuímos os elementos na frase, que o indivíduo recorre inconscientemente, trazendo uma quantidade de informações necessárias para a real interpretação do que está sendo dito, ou até mesmo, brincar com a inversão da ordem. Ou seja, sua compreensão do que é cada função ajuda a criar um significado: a gramática produz efeito de sentido.


Essa ideia está presente no real, isto é, somos influenciados pela forma que a mensagem foi produzida e como recebemos-a no dia a dia, frequentemente inconscientes dessa intervenção direta. Por exemplo, sinopse de filmes/séries têm objetivos de apresentar um breve resumo do que será a história, sem contar muito sobre o enredo, contudo o suficiente para atrair o olhar do público. Em muitas sinopses, alguns elementos são usados intencionalmente, nem sempre necessários. Uma vez que não é um elemento obrigatório, no entanto, são o diferencial cumprindo um objetivo claro, tal como de chamar atenção do telespectador.


A partir da sinopse do filme Duna, de ficção científica/aventura lançado recentemente, analisaremos cada parte relacionando a gramática com aspectos semânticos para a finalidade de compreender seu significado.



SINOPSE DE DUNA


Duna é um filme dirigido por Denis Villeneuve, diretor consagrado do gênero ficção científica como em “Blade Runner 2049” e a “A Chegada”. O filme é baseado em um romance famoso de Frank Herbet, repleto de uma mistura de aventura e misticismo, ecologia e política. Como já comentado, por ser um filme, a sinopse tende a ser curta para incentivar a curiosidade:


“Paul Atreides é um jovem brilhante, dono dek, um destino além de sua compreensão. Ele deve viajar para o planeta mais perigoso do universo para garantir o futuro de seu povo.”


Somos apresentados a um personagem chamado Paul Atreides, que supomos ser o protagonista, já que é o único nome citado no texto. Observamos a primeira oração:


Paul Atreides é um jovem brilhante, dono de um destino além de sua compreensão.”


Todo verbo pede argumentos para afirmar seu estado, desse modo na frase acima identificamos o verbo ‘ser’ no modo indicativo que liga o sujeito a uma característica, uma propriedade de si mesmo. O verbo ordena que alguém (Paul Atreides) seja alguma coisa (um jovem brilhante, dono de um destino [...]), ele é o núcleo da nossa sentença, o ponto principal para entendermos que o assunto do texto é sobre o personagem Paul, é ele ao qual se atribui uma qualidade. A expressão ‘um jovem brilhante’ é um sintagma obrigatório, afinal, Atreides precisa ser alguma coisa, por isso é o argumento do verbo pois o escolhe para complementar a frase. Tanto “Paul Atreides” quanto “um jovem brilhante” são sintagmas nominais, já que se modificarmos a sentença para terceira pessoa do plural, por exemplo, todo os seus elementos são modificados (Eles são jovens brilhantes), neste caso, dizemos que o primeiro sintagma nominal é o nosso sujeito, pois precede ao verbo. Então, aqui Paul é o qualificado, uma vez que é ele quem recebe a qualidade de um jovem brilhante, portanto, o segundo sintagma nominal (“um jovem brilhante”) é o qualificando, atribui a qualidade para o primeiro sintagma.


Contudo, ainda temos o restante da oração “dono de um destino além de sua compreensão”. Essa frase expressa o significado de posse, Paul possui (é dono) um destino além de sua compreensão, toma como escopo a sentença anterior como um todo, transfere um novo significado para ele. Como é uma informação acessória, quer dizer, não haveria necessidade de tê-lo, uma vez que, já compreendemos que Paul é um jovem brilhante, neste caso específico, a informação é acrescentada com objetivo de apontar que é não é qualquer jovem, mas sim um jovem com um destino pela frente. A sentença recebe a função de adjunto exatamente por essa característica adicional. Outro ponto interessante de notar é que o advérbio “além de” expressa significado adicional, adiciona informação que o destino vai além da compreensão do protagonista admitindo uma grandiosidade, mais um motivo de ser adjunto.


Os adjuntos são livres e flexíveis por apresentarem essa peculiaridade, por essa razão podemos trocá-los de posição para antes ou no meio da sentença principal: “Dono de um destino além de sua compreensão, Paul Atreides é um jovem brilhante” ou “ Paul Atreides, dono de um destino além de sua compreensão, é um jovem brilhante”. Em tal caso, o efeito de sentido permaneceu o mesmo, pois em qualquer posição a intensificação da sentença para demonstrar a grandeza do destino tem a mesma entoação.


“Ele deve viajar para o planeta mais perigoso do universo para garantir o futuro de seu povo.”


Recorrendo ao que já sabemos da outra sentença, o sujeito é o pronome ‘Ele’ que se refere ao nosso protagonista Paul Atreides, então ainda o assunto principal é o personagem. No começo da frase, identificamos uma locução verbal, presença de dois verbos, “deve viajar”, em que o principal verbo que toma como escopo toda sentença é o ‘viajar’, no entanto o ‘deve’ auxilia e reforça a ideia que a qualquer custo o personagem deve viajar. O núcleo verbal pede que alguém viaja (Ele) para algum lugar/destino (para o planeta) acompanhado por uma preposição ‘para o’, o verbo transfere papel temático de localidade devido a preposição que exprime direção, logo é objeto indireto visto que esta função sintática sempre pede uma preposição. Porém, há mais critérios que devem ser observados antes de afirmar se é, realmente, um objeto indireto: o caso mais comum é de assumir papel temático de beneficiador que podemos descartar a ideia em vista do explicado acima; apresentam preposição ‘a/ao’ ou ‘para’ que podem ser substituídos pelo termo ‘lhe’, exemplo: “Ele deve viajar-lhe”, não pertence a frase. Sendo assim, se não é um caso nem outro, é complemento oblíquo. O termo “[...] mais perigoso do universo” adjetiva o planeta reforçando que de todos os planetas existentes no universo, ele tem que ir para o mais perigoso.


O que o protagonista vai fazer nessa viagem ao planeta é concluir o seu destino, que até então não sabemos qual é, contudo temos mais uma informação fornecida pelo texto, “para garantir o futuro do seu povo”. Este sintagma preposicional expressa significado de direção, caminho certo pelo qual deve ser passado para alcançar um objetivo, exprimindo assim o motivo da jornada do protagonista. A oração assume característica de adjunto adverbial, pois toma como escopo o verbo ‘garantir’ atribuindo um sentido de que “Paul Atreides deve assegurar, a todo custo, o futuro do seu povo”. O seu feito é intensificar a jornada do herói que tem um destino a ser cumprido e com o futuro da sociedade à qual pertence; afirmar os adjuntos como acessórios não invalida a sua importância, frequentemente, são usados propositalmente a fim de entregar ao leitor mais um aspecto da obra.


Por estarmos nos referindo a uma sinopse, precisamos de elementos chamativos que se referem diretamente a obra ou o motivo da situação/problema da narrativa, porque apesar de mencionar o personagem como um jovem brilhante, ao sabermos que é atribuído a ele um destino que não pode ser evitado e que vai além do seu entendimento, intensifica a sensação de grandiosidade, pois o seu próprio destino é muito maior que ele mesmo. O texto declara o percurso pelo qual o jovem deverá passar, sem muita escolha, para garantir o futuro do seu povo, deixando curioso o leitor de como será essa jornada.


Ao fazer esta análise, percebemos que a gramática tradicional, aquela que adora apontar as funções sintáticas, tem um objetivo na sua classificação para conseguir produzir efeito de sentido, no entanto, não é isolada sofrendo propriedades semânticas dentro do próprio texto.


REFERÊNCIAS


CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Estrutura Funcional da Sentença. Nova Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. Cap.6. p. 289-298;

CUNHA, C.; LINDLEY, C. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. Cap. 3, p. 143-147.

ROCHA LIMA, C. H. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972, cap. 17, p. 219-223.



CRÉDITOS DA IMAGEM DE CAPA:


HBOMAX. Disponível em: https://www.hbomax.com/br/pt/feature/urn:hbo:feature:GYUjdLgBiJp5otAEAAAAJ?utm_id=sa%7C71700000088094474%7C58700007475153398%7Cp68723626330&gclid=Cj0KCQiAosmPBhCPARIsAHOen-ODyzpzO2wGw4zI75uHwknyPHgaoiCXmsKbySfECj8Cxqgu72nnNp4aAru1EALw_wcB&gclsrc=aw.ds&countryRedirect=1. Acesso em 27/01/2022.