Literatura

Hamlet, por fadas

Uma adaptação shakespeariana.

05-02-2021Por: Maria Cecília Almeida (macealmd@gmail.com) e Talissa Ellen Ao Arte (talissa0305@gmail.com)Alunas de Letras-InglêsOrientadora: Liliam Cristina Marins Prieto

FADA

Trabalhar com contos de fadas se tornou algo bastante cansativo desde que tivemos que deixar as florestas. De repente, a credibilidade pertencente a nós, contadoras de histórias, foi totalmente deslocada à função de escritor. Assim, eu, que pertenço a mais pura linhagem de seres célticos, tive de trocar minha varinha de condão por um apetrecho peculiar chamado laptop.

Trancada por horas em uma sala fechada diante de uma caixa mecânica, asfixiada pelo pó residente nas tubulações de prédios antigos e distante do ar fresco que carrega o aroma das azaleias, você encontrará a fada contemporânea. Mas, atente-se aos detalhes: o tom dos hematomas em suas mãos, ocasionados pela produção em massa de histórias, assemelham-se a um pó artificial e tóxico nomeado pelos humanos por glitter.

Esse ser, chamado humano, é uma invenção bastante perigosa. Muitos dizem que nossas histórias foram popularizadas por Jacob e Wilhelm Grimm - irmãos que me deram trabalho -, mas a verdade é que o primeiro homem que tomou meus belos enredos foi William. William Shakespeare, homem estranho, mas devidamente astuto. Vivia na floresta golpeando as árvores mais anciãs, pois sabia o que lhe aguardava. Assim, minha residência foi golpeada durante meu treinamento de voz, afinal, a noite aguardava por ela. Assustada, balancei minha varinha de condão para realizar um encantamento de proteção, mas o homem continuava violento e gritava “Dê-me o que você tem! Dê-me agora ou sua casa irá para o chão!”.

Uma fada está longe de ser frágil, somos fortes como lobas, mais poderosas e cruéis do que bruxas e rápidas como vespas. No entanto, sem nossa casa não há refúgio. Sem refúgio não há liberdade. Sem liberdade, as histórias não são criadas. Por isso, decidi ouvi-lo. O homem, com olhos famintos, implorava para que sua carreira fosse salva. Não suportava mais produzir comédias. Pedia pelo cru, pelo imoral e por sangue. A humanidade se levantou com botas manchadas pelo sangue dos oprimidos e, assim, nasceu Hamlet.

FADA

Era uma vez, um príncipe muito, muito triste, que atendia pelo nome Hamlet.

Seu pai, rei da Dinamarca, havia virado estrelinha e, desde então, o homem sentia- se demasiadamente sozinho. Apesar de ter amigos sempre dispostos a ajudá-lo, Hamlet não se sentia feliz. Havia se passado pouco tempo desde a morte de seu pai e, sua mãe, Gertrudes, estava se casando novamente. O noivo, Cláudio, era seu tio- irmão do falecido rei - que, então, assumiu o reino.

Neste dia, Hamlet havia ficado no castelo com seus amigos, pois não queria comparecer ao casamento. Ao sair dos aposentos de Hamlet, eles sentiram um breve calafrio. Como um deles era um feiticeiro, sabia o que estava acontecendo. A verdade era que o pai de Hamlet havia sido morto injustamente e isso fez com que sua alma não tivesse seu devido descanso. Ele estava lá. E somente Horácio poderia vê-lo.

SHAKESPEARE E FADA

“Feiticeiro?”, indagou Shakespeare, “Eu venho até esse local cheio de lama e mosquitos para encontrar uma obra prima e você está querendo colocar seres mágicos no meio da história? Você me deixa constrangido”.

“Se você não quer ouvir, é só virar a primeira à esquerda e encontrará o caminho de volta para sua vila”, respondi, “Você procurou uma fada por saber que somos ótimas contadoras de histórias. O que você esperava? Que Horácio fosse apenas um rapaz normal? Desculpe-me, Sr. William, mas espectros só podem ser vistos por seres mágicos, feiticeiros e enfeitiçados. Essa era a verdadeira face de Horácio e ponto final!”

Shakespeare se absteve de mais palavras e se aconchegou em um toco que protegia suas vestes da lama que cobria o chão.

FADA

Angustiado ao saber que lá estava o pai de Hamlet em forma de espírito, perguntou a ele porque não havia descansado. Sem reação alguma, o fantasma desapareceu lentamente. Sem entender, ambos os amigos questionaram Horácio sobre suas atitudes. Não entendiam porque ele estava falando sozinho.


2 VOZES

— O que houve, Horácio? Com quem estava falando? - perguntou um.

— Ficou louco? - perguntou outro.

Ignorando ambas as perguntas, Horácio voltou para dentro e disse para eles que isso era um assunto de pai e filho. Sem entender, ambos foram embora.

Com isso, Horácio enfeitiçou Hamlet para que ele também pudesse ver o fantasma de seu pai.

Porém, naquele dia, Cláudio e a rainha perceberam que o príncipe não estava agindo como de costume, então, tentaram animá-lo. Diziam que lhes daria o pó mágico das fadas que realizaria todos os seus desejos. Mas, percebendo que ele continuava estranho, Cláudio ordenou que os amigos de Hamlet ficassem de olho nele.

SHAKESPEARE E FADA

“Pó mágico… você quer dizer, aquele proveniente da coca? Então, o príncipe Hamlet era apenas um garoto mimado controlado por euforia? Hah! Está explicado o motivo de haver fantasmas na história.” Caçoou-o, até o momento, comediante Shakespeare.

“Apenas ouça a história. Tenho um compromisso ao entardecer e não posso destinar todo o meu tempo a um humano desesperado.”

“Pois ande logo”, disse o homem enquanto apontava furiosamente para minha residência, “ou aquele pedaço de pau será queimado”.

Engoli meu próprio choro e continuei a criar.

FADA

No outro dia, o fantasma apareceu para Hamlet e disse que Cláudio havia o enganado com uma maçã envenenada e exigiu que Hamlet matasse o tio, em busca de vingança.

Quando vivo, o rei possuía um mensageiro, cujo nome era Polônio, um plebeu. Hamlet cortejava sua filha, contudo, Polônio e seu filho, Laertes, aconselhavam Ofélia a não se encontrar com ele, devido ao sangue real. Afinal, nobres e plebeus, em hipótese alguma, deveriam nutrir relações amorosas publicamente.

Certo dia, porém, ambos haviam se encontrado, mas não foi mágico como Ofélia havia imaginado. Hamlet parecia enfeitiçado. Estava louco! Algo estava acontecendo, mas Hamlet não dizia nada. Estaria uma bruxa má por trás disso?

O príncipe havia refletido muito sobre o que aconteceu na noite em que o fantasma apareceu, até que decidiu promover um teatro, cujo objetivo era fazer com que o atual rei se entregasse através de suas reações. E assim aconteceu. Ao divulgar o teatro para o reino, Hamlet disse que seria uma adaptação do tão conhecido caso da Branca de Neve. Isso porque seu pai fora envenenado da mesma forma. No entanto, no caso do pai de Hamlet, nenhum homem ousaria se deitar com um rei, muito menos o devolveria a vida. Um verdadeiro homem apenas o faria com o consentimento do outro, mas o outro estava morto.

SHAKESPEARE E FADA

“Você está assumindo que homens devem agir de acordo com o que se esperam dele e não com o que ele realmente pensa?”, questionou William.

“Com licença? Que eu saiba, isso é algo instituído pelos homens perante as atitudes das mulheres! Mas não seria nada ruim se os homens também fossem controlados dessa forma. Direitos deveriam ser iguais, não é mesmo? Além disso, um verdadeiro homem deveria compreender que a verdadeira honra se encontra no respeito ao próximo e que suas atitudes devem ser tomadas com o cérebro encontrado na cachola de cima e não na de baixo! Aquele príncipe Floriano continua sendo visto como herói, mas ninguém tenta enxergar o que realmente aconteceu ali. Pois, em minha história, homens sem honra são realmente apresentados como tal.

Reis maus são maus e príncipes loucos por vingança atingem seus objetivos sem precisarem ser considerados heróis por isso!”

“Humph!”, pigarreou o escritor decaído e sem argumentos, enquanto tingia os dentes com um pigmento azulado proveniente de cogumelos selvagens facilmente encontrados em florestas. Humph e nada mais.

FADA

Ao longo da apresentação, Cláudio se mostrou desconfortável e após a morte do personagem que interpretou Branca, se levantou e, jogando sua capa para trás, saiu apressadamente. Por que ele faria aquilo visto que todos conheciam a história de Branca? O príncipe, irado, se levantou. Sua mãe, segurando seu braço, perguntou o que havia acontecido e, ignorando, Hamlet soltou violentamente sua mão. Cláudio realmente fora responsável pela morte de seu pai.

Ao sair da plateia, Hamlet seguiu os passos do rei, para assim, matá-lo. Porém, ao chegar ao seu quarto, se deparou com o rei rezando para seus ancestrais. Graças a isso, o sobrinho do rei adiou sua vingança.

Ao perceber que Hamlet estava agindo impulsivamente e sem motivos explícitos, Cláudio planejou tomar controle do sobrinho a qualquer custo, ordenando que a rainha, ao convidar o filho para uma conversa particular, usasse o pó mágico da verdade para que o príncipe revelasse tudo que sabia. Entretanto, com receio de que Gertrudes pudesse ocultar o segredo do filho, o rei ordenou que Polônio se escondesse atrás da cortina dos aposentos da rainha, para escutar a conversa.

Naquele momento a rainha chamou seu filho para conversar e Hamlet, irado, a seguiu. Ao chegarem ao seu quarto, não pensou duas vezes ao amaldiçoar sua mãe com palavras, pois não se conformava com o casamento repentino dela, alegando que suas atitudes não passavam de uma demonstração de traição ao falecido rei.

Assustado com a insanidade do príncipe, Polônio remexeu-se atrás da cortina e, Hamlet, supondo que era seu tio, perfurou seu peito com uma adaga afiada que pulsava junto à loucura de seu portador.

Tomando conhecimento do ocorrido e com medo do que estaria por vir, Cláudio decide enviar Hamlet para a Inglaterra, vigiado por dois soldados que, previamente, haviam recebido a ordem de assassinar o príncipe durante sua viagem.

Nesse meio tempo, Laertes, irmão de Ofélia, descobre sobre a morte do pai e retorna à Dinamarca tomado por fúria. Quando adentrou o palácio à procura de respostas, acaba sendo corrompido pelo rei, que culpa Hamlet pela tragédia. Ofélia, perturbada pelo trágico assassinato de seu amado pai e com medo de enfrentar Laertes, lança-se a um rio cujas águas eram tão profundas e densas como seus sentimentos por Hamlet.

Já muito próximo à Inglaterra, Hamlet se depara com seu barco sendo atacado por piratas e, vendo o ataque com uma oportunidade, barganha com os ladrões no intuito de voltar para o reino. E assim acontece.

Chegando ao castelo, Hamlet encontra Laertes melancólico, porém enfurecido. Repentinamente, Cláudio sugere uma luta de espadas entre ambos. Dessa forma, o rei que havia anteriormente guardado um veneno mortal em seu bolso para dá-lo a Hamlet no momento propício, decidiu que aquela seria a hora.

Enquanto ambos lutavam, o rei despejou o conteúdo do frasco numa taça de vinho que, após solicitar uma pausa na disputa, ofereceu a Hamlet. Ele, porém, resolveu deixar para depois que vencesse, colocando-a numa mesa mais próxima a ele. Ao ganhar os dois primeiros rounds, a rainha bebe do vinho para comemorar a vitória de seu filho, abraçando-o. Porém, quando se afastou de seu filho, Laertes, movido pela força do ódio, fere seu oponente com uma espada envenenada. Naquele momento, Hamlet pega a espada das mãos de Laertes e a apunhala profundamente no peito do adversário. Ali jazia a espada imbuída em veneno. As últimas palavras de Laertes deixaram claro: o rei era o culpado de tamanha tragédia.

Após a morte de Laertes, a rainha cai morta perante seu filho, o qual percebe que o vinho estava envenenado. Com a visão turva e usando suas últimas forças, Hamlet obriga o rei a tomar daquela taça, que pouco tempo após o príncipe, também falece.

FADA

Ora, ora, você pegou no sono no momento certo! Está na hora de levá-lo de volta para sua casa. Espero que leve a trágica história de Hamlet para todos. Espero que mostre a eles, a verdadeira face do ser humano. Humanos são maus. Eles destroem a natureza. Eles nos destroem!

No outro dia, aquele brutamontes acordou e, achando que tudo era um sonho, pôs-se a escrever a minha história. “Será que ele fará muitas modificações?” Me questionei enquanto voltava para minha casa.

Com o tempo, eu me decepcionava cada vez mais com os humanos, mas tudo que me restou foi silêncio. Por centenas de anos permaneci quieta sobre o que realmente acontecera com príncipe Hamlet. Olhei para o pouco do pó mágico que ainda me restava e me questionei: ser ou não ser?