Falado principalmente na parte sul do país, esse dialeto é encontrado em regiões específicas dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina (Araújo, 2009). A realização deste trabalho abrange aspectos pertinentes à produção e à utilização do dialeto sulista. O corpus deste estudo faz uso, em alguns trechos, de um curto vídeo disponível no YouTube do influenciador digital Andrei Weber, que enfatiza as características desse modo de falar. Andrei Weber é morador da cidade de Planalto, sudoeste do Paraná, região colonizada por gaúchos.
Aos olhos de Bisol e Collischonn (2009), a variedade de sons de /R/ é grande. Temos o chamado vibrante (que é uma das realizações do r-forte), produzido pela ponta da língua contra a arcada dentária superior, alvéolos, ou contra o véu palatino, por pequenas oclusões. Há também o chamado de r-fraco, realizado por meio do tepe e do retroflexo, que são produzidos por diferentes maneiras de articulações.
Constatou-se que em posição inicial ou intervocálica, tanto a vibrante [ř] quanto o tepe [ɾ] ocorrem principalmente porque, conforme Bisol e Collischonn (2009), essa variação do /R/ vem do contato com línguas de imigração, como a língua espanhola, nas zonas fronteiriças e o italiano e o alemão em diferentes regiões de colonização. No vídeo de Andrei, uma das primeiras características a serem percebidas na fala está no modo como é realizada a pronúncia de /R/ em início de palavra. Ao estudar os sons /R/, encontra-se que diferentemente do que se tem na maioria dos dialetos do português brasileiro, a utilização da fricativa velar desvozeada [x] ou “R forte”, o som produzido é o da vibrante alveolar vozeada [ř].
No vocábulo “rolinho” (minuto 0:31), por exemplo, observa-se que não é adotada a forma utilizada na região noroeste do Paraná. Em vez disso, tem-se a pronúncia com a vibrante alveolar vozeada ou o chamado “R vibrante”. Assim, a forma [xo'lı͂ɲʊ] dá lugar à [řo'liɲo].
No dialeto sulista, as vogais “e” e “o” têm pronúncia bem marcada no final das palavras, como nos vocábulos a seguir, retirados do vídeo e Andrei Weber: “Elizabete” (minuto 0:16), “certo” (minuto 0:22), “rolinho de nada” (minuto 0:31), “saudade” (minuto 0:34) e “tamo junto” (minuto 0:05). Na região noroeste do Paraná, essas palavras teriam as seguintes pronúncias: “Elizabete” [eliza'bɛtʃɪ], “certo” ['sɛɻtʊ], “rolinho” [xo'lı͂ɲʊ], “saudade” [saw'dadʒɪ] e “tamo junto” [tãmu'ʒũtʊ]. Sabe-se que, no Brasil, em quase sua integralidade, e até em algumas cidades sulistas como Porto Alegre, capital do RS, é comum a pronúncia seguindo a regra fonológica que ocorre em quase todos os dialetos do Português Brasileiro, segundo o qual vogais médias-altas são pronunciadas, respectivamente, como [ɪ] e [ʊ] em sílaba átona final. Esse fenômeno é chamado alçamento de vogal em sílaba átona final. Entretanto, Andrei, do sudoeste do Paraná, realiza a pronúncia de vocábulos da mesma forma que acontece em outras cidades do interior do Rio Grande do Sul. É explícito na fala do influenciador digital que, em vez de ['sɛɻtʊ] e [xo'lı͂ɲʊ], ele diz ['sɛřto] e [řo'liɲo].
Por fim, no vídeo do influencer, nota-se, na pronúncia da palavra “saudade”, uma característica de ocorrência mais discreta relacionada à realização da lateral alveolar [ɬ]. Carrara (2022) explica que, diferentemente do que aconteceria em grande parte dos dialetos do português brasileiro, a consoante “l” em posição final de palavra ou sílaba teria o som da vogal “u”, no dialeto sulista, o “l” final é realizado como lateral alveolar [ɬ], sendo a consoante “l” pronunciada como [ɬ]. Então, a palavra mencionada no vídeo por Andrei é pronunciada [saɬ'dade] e não [saw'dadʒɪ].
Mediante o exposto, fica evidente que a composição da variação linguística sulista vem de uma série de marcas fonéticas que estão diretamente conectadas a territórios específicos que estão sob mesma ou parecida influência cultural. O sulista realmente deixa sua marca com características só dele, como a utilização da vibrante alveolar para realização do r-forte, a não realização do alçamento de vogal em sílaba átona final e o uso da lateral alveolar velarizada em final de sílaba e de palavra (BISOL; COLLISCHONN, 2009).
Referências bibliográficas
ARAÚJO, Ana. Dialetos Brasileiros. Disponível em:
<https://www.infoescola.com/linguistica/dialetos-brasileiros/>. Último acesso em: 14 sep. 2022.
BISOL, Leda; COLLISCHONN, Gisela. Português do sul do Brasil: variação fonológica (PDF). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS, 2009, p. 72-173.
CARRARA, Júlia. Características fonéticas do dialeto gaúcho na fala do Youtuber Gugu Gaiteiro. Disponível em:
<https://www.mastigandoletras.com.br/in%C3%ADcio/fonética-e-fonologia/caracter% C3%ADsticas-fonéticas-do-dialeto-gaúcho-na-fala-do-youtuber-gugu-gaitei>. Último acesso em: 14 sep. 2022.
CHÉROLET, Brenda. Variações linguísticas. Disponível em:
<https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/lingua-portuguesa/variacoes-linguisticas> Último acesso em: 14 sep. 2022.
COMIOTTO, A. F., & MARGOTTI, F. W. Uso dos róticos do português em contato com os dialetos italianos. Acta Sci. Lang. Cult. 2019, P. 7.Andrei Weber - Uns Rolinhos de Nada. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=uY9_0FHYwAY>. Último acesso em: 27 sep. 2022.