Entrevista

Sujeitos, sentidos e ideologia: a Análise do Discurso e as canções produzidas na ditadura militar brasileira

Foto do acervo pessoal da entrevistada.

Hoje falamos com a pesquisadora Vanessa Carvalho Fenelon, aluna da graduação do curso de Letras Português-Inglês. Ela foi orientada pela professora Luciana Cristina Ferreira Dias Di Raimo, em sua pesquisa intitulada "Sujeitos, sentidos e ideologia: a Análise do Discurso e as canções produzidas na ditadura militar brasileira".

31-03-2021

Mastigando Letras: Qual o tema de sua pesquisa? O que foi pesquisado?

Vanessa: O tema da pesquisa foi a análise de canções brasileiras compostas durante o período da ditadura militar. Partindo dessa ideia, pesquisamos o modo como as canções ressurgem, ainda hoje, como símbolos de luta e de resistência. A proposta foi estudar como as composições significam e produzem sentidos nesses dois contextos, para entender também as relações entre as condições de produção desses diferentes momentos - o momento da composição e o momento atual em que a canção volta a emergir.


Mastigando Letras: De qual teoria ou de quais autores você se utilizou para realizar sua pesquisa?

Vanessa: O trabalho teve como base a Análise de Discurso de linha francesa, partindo das teorias de Pêcheux e de Orlandi. Para a análise das canções e do modo como elas (res)significam, os conceitos de condições de produção, memória, paráfrase, polissemia e silêncio foram essenciais. Como a AD considera o discurso como objeto sócio-histórico - constituído de linguagem, sujeito, discurso e ideologia -, não poderia haver teoria mais adequada para discutir o silenciamento e a censura como condicionantes dessas canções.


Mastigando Letras: Você poderia falar um pouco dos métodos e procedimentos que você se utilizou para realizar a sua pesquisa?

Vanessa: Na etapa inicial da pesquisa, selecionamos as canções que seriam analisadas e fizemos a revisão bibliográfica dos conceitos que elas demandavam. Escolhemos quatro composições do período da ditadura. Como critério para a seleção, consideramos a força da carga ideológica, política e social das letras, além de sua relação com as condições de produção de censura e de interdição daquele momento histórico. Depois, partimos para a análise propriamente dita, e é importante destacar que as reuniões e as conversas com minha orientadora foram essenciais e muito produtivas em todas essas etapas.


Mastigando Letras: Que dificuldades você encontrou para realizar sua pesquisa?

Vanessa: Para mim, a maior dificuldade foi a questão do tempo e da conciliação entre a pesquisa e as outras atividades acadêmicas, profissionais e pessoais. O desenvolvimento da pesquisa, em si, transcorreu de modo bem tranquilo. Acredito que a única questão a ser destacada é que, trabalhando com a Análise de Discurso, sempre me vinha a dúvida: “será que essa análise está mesmo filiada à AD ou estou ‘escapando’ para outras teorias?”. Mas penso que esse questionamento seja natural, e até necessário.


Mastigando Letras: Você poderia agora nos contar sobre os resultados encontrados por sua pesquisa?

Vanessa: Analisando as quatro canções selecionadas (“Apesar de você”, “Cálice”, “Como nossos pais” e “Senhor Cidadão”), pudemos perceber o jogo de paráfrase e de polissemia que há na significação dessas composições. Ao ressurgirem em contextos atuais (principalmente em meios digitais), elas retomam as condições de produção em que foram compostas e evocam sentidos anteriores; mas, ao mesmo tempo, também produzem novos sentidos, ao se relacionarem com o momento sócio-histórico atual. Além disso, observamos uma intertextualidade generalizada entre essas canções. Como elas foram compostas sob as mesmas condições de produção, a noção de “discurso social” justifica a presença de imagens recorrentes e de temas comuns nas letras. Entre eles, podemos citar o silenciamento e a repressão, a evocação bíblica, a oposição entre opressor e oprimido, a esperança pelo futuro iminente e a oposição entre passado e futuro - imagens que manifestam e materializam a resistência ao regime ditatorial.


Mastigando Letras: Em que sua pesquisa colaborou ou contribuiu?

Vanessa: Acredito que, sobretudo neste momento histórico e político que estamos vivenciando, seja muito importante olhar para esses discursos de resistência e pensar sobre o modo como a censura atua no silenciamento dos sujeitos. O fato de essas canções ressurgirem com tanta força ainda hoje nos mostra que os “sentidos anteriores” que elas evocam são, na verdade, muito atuais.


Mastigando Letras: Dá muito trabalho realizar pesquisa?

Vanessa: Fazer pesquisa dá trabalho, sim, mas ele é compensado pela experiência de ver as ideias iniciais que tínhamos sobre o tema amadurecendo e transformando-se em teorias mais palpáveis. Nesse sentido, fez toda a diferença para mim poder contar com uma orientadora atenciosa e acessível, que me indicou as melhores referências e auxiliou na construção dessas “teorias” ao longo do trabalho.


Mastigando Letras: Sua pesquisa foi feita de modo voluntário ou com bolsa?

Vanessa: Não tive bolsa, a pesquisa foi feita de modo voluntário.


Mastigando Letras: Valeu a pena ter vivenciado esta experiência na realização de uma pesquisa?

Vanessa: Sim, a experiência foi bastante válida. É muito gratificante ver algo que, a princípio, era apenas um assunto de interesse crescendo e tornando-se objeto de trabalho. Com a pesquisa, o que era uma inquietação pessoal minha tomou outras proporções, e pude ver o tema por uma perspectiva diferente, acadêmica e científica.


Mastigando Letras: Que conselhos você daria para alguém que deseja algum dia experimentar fazer uma pesquisa?

Vanessa: Penso que é fundamental escolher um tema com o qual você se identifique e que já te provoque alguma inquietação, porque isso é um grande estímulo para querer estudar e analisar o objeto a fundo. No meu caso, a ideia para a pesquisa surgiu a partir de um trabalho que fiz no primeiro ano do curso, em uma disciplina que era ministrada pela minha orientadora. Me interessei muito pelo tema e, mais tarde, surgiu a oportunidade de explorá-lo mais com o PIC. E isso foi ótimo!


Mastigando Letras: Já apresentou sua pesquisa em eventos científicos? Se sim, como foi esta experiência? Se não, quando será sua apresentação?

Vanessa: A pesquisa já foi apresentada na última edição do EAIC, em outubro de 2020. Como muitas outras experiências que tivemos nesse ano atípico, a de apresentar em um evento totalmente virtual foi um pouco desafiadora. Mas, no fim das contas, foi bom poder dividir um pouco das reflexões que tivemos ao longo do trabalho com os colegas e os professores da universidade.


Muito obrigado pela entrevista! E parabéns pelo trabalho!!!