Entrevista

Fake News: olhares discursivos sobre o boato nas redes sociais

Foto do acervo pessoal do entrevistado.

Hoje falamos com o pesquisador Gustavo Haiden de Lacerda, aluno da graduação do curso de Letras-Inglês. Ele foi orientado pela professora Dra. Luciana Cristina Dias Di Raimo, em sua pesquisa intitulada "Fake news: olhares discursivos sobre o boato nas redes sociais".






23/02/2021

Mastigando Letras: Qual o tema de sua pesquisa? O que foi pesquisado?

Gustavo: O tema do projeto foram as fake news nas redes sociais e seus efeitos de sentido nas práticas científicas. Minha orientadora e eu pesquisamos postagens em plataformas online, como Facebook e Instagram, que já circulavam em rede como notícias falsas. O intuito era compreender de que forma elas produzem sentidos, inclusive para além da tela, afetando a vida dos sujeitos em questões de saúde, política, economia, entre outros aspectos.


Mastigando Letras: De qual teoria ou de quais autores você se utilizou para realizar sua pesquisa?

Gustavo: Nós enxergamos na Análise de Discurso materialista, de filiação pecheutiana, um caminho produtivo para a pesquisa, por ser uma disciplina que entende o discurso como efeito de sentido entre sujeitos ideológica e inconscientemente constituídos, inscritos em práticas de linguagem localizadas na história e que produzem sentido por meio dessa inscrição. Mas também permanecemos abertos a diálogos com outras correntes teóricas que permitiriam aprofundar a reflexão, dentre os quais os filósofos Michel Foucault e Friedrich Nietzsche, junto com pesquisadores da Comunicação, como Matthew D’Ancona e Michelle Mattelart.


Mastigando Letras: Você poderia falar um pouco dos métodos e procedimentos que você se utilizou

para realizar a sua pesquisa?

Gustavo: A Análise de Discurso (AD) é uma disciplina que nos fornece teoria e método de análise, elementos distintos, mas articulados. Por isso, mais do que coletar textos na internet e interpretá-los, a AD – para os íntimos – demanda um trabalho sobre regularidades de formulação e circulação dos discursos, que possibilitem uma análise que extrapole o nível do conteúdo, a fim de entender o

discurso que está em funcionamento.


Mastigando Letras: Que dificuldades você encontrou para realizar sua pesquisa?

Gustavo: Acho foram duas as dificuldades que se destacaram. A primeira tinha a ver com a escassez de publicações, em 2018, sobre fake news no âmbito da Análise de Discurso. Isso demandou um esforço de olhar analítico, para que pudéssemos ser consequentes com a teoria discursivo- materialista. Outra dificuldade foi metodológica, para que evitássemos taxação de verdade ou mentira sem antes entender o porquê de aqueles sentidos, ainda que falseados, serem efetivados no discurso.


Mastigando Letras: Você poderia agora nos contar sobre os resultados encontrados por sua

pesquisa?

Gustavo: Nossas análises foram conduzindo por diferentes trajetos e, a cada percurso, novas considerações foram sendo tecidas. Dois resultados analíticos podem ser destacados: (1) o reconhecimento de uma regularidade nas fake news, que, de um lado, rejeitam o poder constituído da imprensa de referência para poder fazer circular mentiras, ao mesmo tempo em que se serviam de um modo de enunciar, de formular imagens e de interagir com o leitor que tentava retomar o modo de dizer (legitimado) da imprensa. (2) Nós também estudamos o controverso termo “pós-verdade”, para entender sua impertinência quando o assunto é fake news, do que concluímos que se trata de uma designação complexa, que indica um processo não só de assimilação de mentiras (como teorias conspiracionistas, antivacinas etc.), mas de valorização apenas dos afetos em detrimentos dos fatos.


Mastigando Letras: Em que sua pesquisa colaborou ou contribuiu?

Gustavo: Além de incorporar um corpo de pesquisas que têm investigado o impacto das fake news na sociedade contemporânea, buscamos chamar a atenção para esse problema sério que a ciência tem e terá de enfrentar nos próximos anos. Outro ponto relevante foi o de contribuir com o alargamento

das pesquisas em Análise de Discurso no Brasil.


Mastigando Letras: Dá muito trabalho realizar pesquisa?

Gustavo: A resposta curta é sim! E isso intervém nos resultados: ser trabalhoso indica que a discussão é profunda e relevante. Significa também que o tema está sendo tratado com seriedade e critério científico. E o fato de ser trabalhoso torna o processo ainda mais gratificante.


Mastigando Letras: Sua pesquisa foi feita de modo voluntário ou com bolsa?

Gustavo: Nossa pesquisa recebeu financiamento do CNPq.


Mastigando Letras: Valeu a pena ter vivenciado esta experiência na realização de uma pesquisa?

Gustavo: Foi muito importante me envolver com iniciação científica, aprender a escutar o mundo ao meu redor, a perguntar as questões certas, a lidar com leituras teóricas e exigências científicas. Sem dúvida, uma oportunidade essencial de preparação para pesquisas a nível de pós-graduação.


Mastigando Letras: Que conselhos você daria para alguém que deseja algum dia experimentar fazer uma pesquisa?

Gustavo: Primeiramente, abrace uma inquietação e uma paixão, que vai motivar você e seu trabalho. Depois de definir um tema que inquiete e apaixone, é importante organizar leituras junto com a orientadora ou orientador, para traçar objetivos claros e procedimentos produtivos. E não esquecer de aproveitar a empreitada científica.


Mastigando Letras: Já apresentou sua pesquisa em eventos científicos? Se sim, como foi esta

experiência? Se não, quando será sua apresentação?

Gustavo: Os resultados dessa pesquisa já foram apresentados em eventos da área e publicados em periódicos. Uma marca fundamental do trabalho científico é o gesto de compartilhar, proporcionado também por canais como este, do Mastigando Letras, que busca disseminar os conhecimentos produzidos na Universidade com a função de retornar para a sociedade. Entender que a Universidade é constitutiva da sociedade e não um mundo à parte me parece ser, inclusive, uma forma de combater fake news.


Muito obrigado pela entrevista! E parabéns pelo trabalho!