Entrevista

Uma pesquisa sobre o tempo e o espaço em cartas escritas por mulheres encarceradas

Fotos do acervo pessoal das entrevistadas

Hoje falamos com as pesquisadoras Bárbara Luísa Teixeira Diniz da Fonseca Fulton e Maria Eduarda Faria de Souza, alunas da graduação em Letras / Português - Francês e Literaturas correspondentes. Elas foram orientadas em um PIC pela professora Cristiane Carneiro Capristano, em pesquisa intitulada "Tempo e espaço em cartas escritas por mulheres encarceradas".


Mastigando Letras: Qual o tema de sua pesquisa? O que foi pesquisado?

Bárbara Luiza e Maria Eduarda: O tema da nossa pesquisa foi tempo e espaço em cartas escritas por mulheres. Pesquisamos como se deu a relação entre o cronotopo (tempo/espaço) e a alteridade que constitui a escrita de cada uma.


Mastigando Letras: De qual teoria ou de quais autores você se utilizou para realizar sua pesquisa?

Bárbara Luiza e Maria Eduarda: Baseamo-nos em diversos autores, mas os principais foram Bakhtin e a teoria do Cronotopo, Benveniste com a teoria da Enunciação e os conceitos sobre o tempo, e a teoria da Heterogeneidade da escrita de Corrêa.


Mastigando Letras: Você poderia falar um pouco dos métodos e procedimentos que você se utilizou para realizar a sua pesquisa?

Bárbara Luiza e Maria Eduarda: Nós analisamos as cartas qualitativamente com base nos procedimentos teórico-metodológicos do Paradigma Indiciário, como formulado por Ginzburg (1989). Nós buscamos por pistas/indícios que as mulheres deixavam em suas escritas que evidenciavam a relação entre o cronotopo e a alteridade.


Mastigando Letras: Que dificuldades você encontrou para realizar sua pesquisa?

Bárbara: Foram duas as maiores dificuldades que encontrei: 1) ler e entender os textos teóricos, que são densos e complexos e com certeza se não tivéssemos uma orientadora incrível nada teria dado certo e 2) escrever o relatório final, colocar em palavras tudo que pesquisamos e discutimos durante um ano é bem difícil, foram 50 páginas de muita dedicação e esforço.

Maria Eduarda: Acredito que a maior dificuldade foi a falta de experiência, por ser a minha primeira pesquisa, senti-me um pouco perdida no início; mas, com o desenrolar do trabalho e as orientações, as dificuldades foram diminuindo.


Mastigando Letras: Você poderia agora nos contar sobre os resultados encontrados por sua pesquisa?

Bárbara Luiza e Maria Eduarda: Observamos que foi, em geral, na oscilação observada nas tentativas que as mulheres faziam de alcançar uma escrita mais formal, a partir da(s) imagem(s) que elas construíam de seu(s) destinatário(s), que conseguimos observar uma organização cronotópica (espaço-tempo) singular. Percebemos, também, a existência de uma regularidade no conteúdo das cartas que sinalizava para uma organização cronotópica singular: a descrição e/ou apresentação da convivência familiar e das particularidades dessas famílias. Observamos que a presença de um sobredestinatário, na maioria das cartas cristão/patriarcal, pareceu construir uma imagem de mulher como “cidadã de bem” e, para essas mulheres em situação de cárcere, passar essa imagem de “cidadã de bem”, preocupada com a família, poderia influenciar o seu destino sentencial. As escolhas lexicais que elas fizeram, com marcações religiosas, construções afetivas e citações bíblicas, mostraram-nos a influência desse sobredestinatário e resquícios do inconsciente de uma cultura cristã, bem como indiciaram a organização cronotópica particular das cartas.


Mastigando Letras: Em que sua pesquisa colaborou ou contribuiu?

Bárbara Luiza e Maria Eduarda: Nossa pesquisa deu visibilidade, por meio de suas escritas, as mulheres privadas de liberdade, que por se encontrarem em um ambiente hostil acabam se tornando invisíveis perante a sociedade. E, também, tornamos visíveis produções escritas não literárias de autoria feminina, que sabemos que são pouco exploradas. Colaborou, também, com as discussões a respeito da relação sujeito/linguagem/outro e, também, da relação entre tempo e espaço nos estudos sobre produção escrita no campo da Linguística teórica e aplicada. Proporcionou informações de caráter descritivo acerca de como se mostram, no material escolhido para análise, o processo de interligação das relações espaciais e temporais e, por fim, cooperou, mesmo que indiretamente, para as ponderações teóricas de professores de língua materna e estudiosos interessados nos estudos sobre escritas não escolares.


Mastigando Letras: Dá muito trabalho realizar pesquisa?

Bárbara: Sim, são muitos textos para ler e discutir. Ao final, é preciso escrever um relatório final, mas vale super a pena.

Maria Eduarda: Sim, realizar uma pesquisa dá trabalho e exige bastante disciplina! Mas penso que quando estamos pesquisando algo que acreditamos tudo fica mais leve.


Mastigando Letras: Sua pesquisa foi feita de modo voluntário ou com bolsa?

Bárbara Luiza e Maria Eduarda: Fomos voluntárias.


Mastigando Letras: Valeu a pena ter vivenciado esta experiência na realização de uma pesquisa?

Bárbara: Valeu muito, foi/é uma experiência que demanda tempo e trabalho, é bastante desafiadora, mas é muito gratificante. Ver o relatório final pronto é uma alegria imensa, que apesar da correria, conseguimos fazer um bom trabalho.

Maria Eduarda: Com certeza! Sem dúvidas foi uma experiência muito importante. A realização da pesquisa me agregou muitos conhecimentos e foi a porta de entrada para futuros projetos.


Mastigando Letras: Que conselhos você daria para alguém que deseja algum dia experimentar fazer uma pesquisa?

Bárbara: Primeiro: esteja disposto, será um trabalho árduo, mas incrível. Segundo: escolha um tema/área que te agrade bastante, afinal você vai passar um ano lendo teorias e escrevendo sobre isso. Terceiro: não tenha medo, vá fundo e busque o que te faz feliz, no final você verá como foi sensacional tudo que você fez e que sim, você é capaz de coisas grandiosas mesmo estando ainda na graduação.

Maria Eduarda: Eu diria que é muito importante dar um primeiro passo, e uma pesquisa pode ser esse ponto de partida. Acho fundamental pesquisar algo que você se identifique e acredite, e sem dúvidas no futuro você irá se orgulhar por ter começado.


Mastigando Letras: Já apresentou sua pesquisa em eventos científicos? Se sim, como foi esta experiência? Se não, quando será sua apresentação?

Bárbara: Sim, apresentamos no III SIMVALE, em 2019, e no EAIC, em 2020. Foi uma experiência enriquecedora e desafiadora. Falar em um evento, com pessoas apresentando pesquisas de mestrado/doutorado não é pouca coisa. Senti-me bastante insegura, as palavras sumiam, a mão suava, mas no fim deu tudo certo. Com o tempo nos acostumamos e tudo fica mais tranquilo.

Maria Eduarda: Sim, já realizei a apresentação da pesquisa em eventos. Confesso que na hora me senti insegura, acredito que isso aconteceu pelo fato de nunca ter vivenciado algo parecido antes, mas hoje entendo o quanto essa experiência foi fundamental para o meu desenvolvimento profissional e acadêmico.


Muito obrigado pela entrevista! E parabéns pelo trabalho!!!