Entrevista

Elementos linguísticos caracterizadores da fala do homem gay em programas de humor da TV aberta

Foto do acervo pessoal do entrevistado.

Hoje falamos com o pesquisador Kaique Henrique da Silva Araujo aluno da graduação do curso de Letras Português-Inglês. Ele foi orientado pelo professor Dr. Edson Carlos Romualdo, em sua pesquisa intitulada "Elementos linguísticos caracterizadores da fala do homem gay em programas de humor da TV aberta".

25-05-2021

Mastigando Letras: Qual o tema de sua pesquisa? O que foi pesquisado?

Entrevistado: Minha pesquisa tem como tema os elementos linguísticos presentes na fala do homem gay. Em uma pesquisa de iniciação científica anterior, realizada juntamente com Cláudio Alves de Souza Júnior, e também orientada pelo Prof. Edson Carlos Romualdo, analisamos a variação linguística na fala do homem gay presente no quadro humorístico “Aula de bichês”, da MTV. Nesta pesquisa verificamos que há elementos fonéticos, fonológicos, lexicais e morfológicos na fala do homem gay afeminado, sobretudo aquele representado no quadro humorístico. A partir dos resultados desse primeiro estudo, decidi pesquisar em quadros humorísticos da TV aberta (Vera Verão, Capitão Gay, Haroldo Hétero, Seu Peru e Alfredão) se tais elementos se dariam da mesma forma e na mesma proporção, além de averiguar se haveria uma variação diacrônica na fala desses gays afeminados representados pela mídia.


Mastigando Letras: De qual teoria ou de quais autores você se utilizou para realizar sua pesquisa?

Entrevistado: Devido ao recorte que propusemos, nos baseamos em fontes teóricas diversas e tivemos a necessidade de estruturar teorias de forma que fizessem sentido durante a análise. Para as teorias Linguísticas, no que tange à Sociolinguística, me pautei em Tarallo (1986), estudo no qual ele relata a importância de Labov para a Sociolinguística. Também utilizei Camacho (1988), a fim de explanar sobre a Variação Linguística (Variação Diatópica, Variação Diacrônica, Variação Diafásica e Variação Diastrática); em relação à comunidade LGBTQIA+, em especial o Bajubá ou Pajubá, como é popularmente conhecido, utilizei estudos encontrados na web, pois na época em que a pesquisa foi realizada não se tinha muito conhecimento sobre o assunto. Para sistematização e análise dos fenômenos fonéticos e fonológicos utilizei Silva (2012), Cagliari (1992) e Nogueira (1958). Em se tratando da questão prosódica da língua, me pautei nos estudos de Capristano (2011), além dos achados de um projeto anterior realizado por Romualdo, Souza Jr e Araujo (2018). O escopo teórico sobre o léxico teve como ponto principal os resultados obtidos por Romualdo, Souza Jr e Araujo (2018), no qual relataram sobre a história do Bajubá, oriundo do Yorubá, e Rodrigues e Rodrigues (2012). Por fim, os assuntos sobre sexualidade se pautaram em Travaglia (1990) e Fry e MacRae (1985).


Mastigando Letras: Você poderia falar um pouco dos métodos e procedimentos que você se utilizou para realizar a sua pesquisa?

Entrevistado: Devido ao objetivo da pesquisa, o estudo foi realizado sob um viés quantitativo-qualitativo. Foi feita a identificação, quantificação e interpretação dos elementos linguísticos que caracterizam a fala do homem gay afeminado de dez esquetes humorísticos, portanto, de um número grande de amostras. Assim, a análise quantitativa permitiu apresentar a natureza mais estatística de tais características, expondo os resultados em dados numéricos. Já a parte qualitativa restringiu-se à análise de como os elementos linguísticos levantados eram utilizados na produção do humor. O corpus de análise foi composto, como por dez esquetes de cinco quadros de humor da televisão aberta, das décadas de 80, 90 e 2000, com personagens de sucesso de público. O campo de busca de tais quadros restringiu-se ao sítio Youtube, que disponibiliza quadros de programas antigos, mesmo os que se encontram fora da programação televisiva atual. Os quadros específicos de análise foram selecionados a partir das seguintes personagens: Capitão Gay; Haroldo Hétero; Vera Verão; Seu Peru e Alfredão.

Mastigando Letras: Que dificuldades você encontrou para realizar sua pesquisa?

Entrevistado: Uma das dificuldades foi encontrar trechos dos quadros humorísticos selecionados no YouTube que tivessem com a imagem e o áudio adequados para descrição e identificação dos fenômenos. Além disso, a escassez de estudos sobre a fala da comunidade LGBTQIA+, sobretudo o Bajubá, para me basear.

Mastigando Letras: Você poderia agora nos contar sobre os resultados encontrados por sua pesquisa?

Entrevistado: Em relação aos resultados, quero apresentá-los dividindo-os por quadro humorístico.


- Capitão Gay:

Em se tratando do primeiro vídeo analisado do quadro Capitão Gay, notei uma predominância dos fenômenos segmentais de sibilantes (7 ocorrências – 36,8%), nasalização (2 ocorrências – 10,5%) e do fenômeno prosódico alongamento (10 ocorrências – 52,6%). Já no segundo vídeo, não encontrei nenhuma ocorrência de nasalização. Por outro lado, houve 1 ocorrência de proeminência das sibilantes (14,2%) e 6 ocorrências de alongamento (85,7%). Por fim, cruzando os dados dos dois vídeos, houve, no total, 8 ocorrências de proeminência das sibilantes (40%), 2 ocorrências de nasalização (10%) e 10 ocorrências de alongamento (50%). Cabe relatar que há uma intensidade vocal maior empregada em todos os alongamentos, fenômeno de maior ocorrência no quadro humorístico, como se fosse uma ênfase na palavra enunciada. No quadro Capitão Gay, além dos aspectos linguísticos, a vestimenta possui papel importante na caracterização do homem gay afeminado.


- Haroldo Hétero:

No primeiro vídeo analisado do quadro humorístico Haroldo Hétero, encontrei 6 ocorrências das sibilantes enunciadas de forma enfática (28,5%), a nasalização apareceu em apenas 1 contexto linguístico (4,7%), o alongamento ocorreu 9 vezes (42,8%) e, destoando-se do quadro humorístico Capitão Gay, em Haroldo Hétero houve 5 ocorrências do rótico velar [x] (23,8%). No segundo vídeo, as sibilantes aparecem 2 vezes (20%), há 1 ocorrência da nasalização (10%) e do rótico velar [x] (10%) e, por fim, 6 ocorrências de alongamento (60%). Ao analisar ambos os vídeos, verificou-se que houve, no total, 11 ocorrências de sibilantes (15,7%), a nasalização apareceu 9 vezes (12,8%) e o alongamento teve 44 ocorrências, totalizando 62,8%, e o rótico aparece 6 vezes (8,5%). A qualidade da voz da personagem (timbre) é, em todo o quadro, nasal e, juntamente com o gestual exacerbado e a vestimenta, colabora para a construção do humor próprio do gênero.

- Vera Verão:

Ao analisar o primeiro vídeo do quadro humorístico Vera Verão, encontrei 7 ocorrências das sibilantes (15,9%), 8 ocorrências de nasalização (18,1%) e 29 ocorrências de alongamento (65,9%). No que tange ao segundo vídeo, houve 4 ocorrências das sibilantes (20%), 1 ocorrência da nasalização (5%) e 15 ocorrências de alongamento (75%). No total, houve 11 ocorrências das sibilantes (17,1%), a nasalização apareceu 9 vezes (14%) e o alongamento 44 vezes (68,7%). Além da riqueza de fenômenos linguísticos, a exacerbação dos gestos e as vestimentas da personagem são importantíssimos para a sua caracterização como homem gay afeminado.

- Seu Peru:

Analisei dois vídeos desse quadro. Com relação ao quadro humorístico Seu Peru, no primeiro vídeo houve apenas 1 ocorrência de nasalização (50%) e 1 ocorrência de sibilantes (50%). Por outro lado, no segundo vídeo não identifiquei nenhuma ocorrência de nasalização, as sibilantes apareceram 8 vezes (88,8%) e houve 1 ocorrência de alongamento (11,1%). Ao cruzar os dados do vídeo 1 e do vídeo 2, as sibilantes apareceram 9 vezes (81,8%), a nasalização 1 vez (9%), bem como o alongamento (9%).

-Alfredão:

Em Alfredão encontrei no primeiro vídeo analisado uma ocorrência de nasalização (12,5%) e 7 ocorrências de alongamento (87,5%). No segundo vídeo, foram encontrados 2 ocorrências de nasalização (40%) e 3 ocorrências de alongamento (60%). No total, houve 3 ocorrências de nasalização (23%) e 10 ocorrências de alongamento (76,9%).

Quanto à construção do humor, pela caracterização das personagens enquanto homens gays afeminados, além desses elementos fonéticos demonstrados quantitativamente, é importante ressaltar que outros elementos empregados nos quadros analisados são de suma importância para a produção do riso e do estereótipo da “bicha” nos esquetes, mas não são quantificáveis. Em relação aos elementos prosódicos, encontrei a intensidade (Capitão Gay, Vera Verão e Alfredão), a altura (Capitão Gay, Vera Verão e Alfredão) e a qualidade nasal da voz (Haroldo Hétero, Vera Verão e Seu Peru); em relação a elementos extralinguísticos, os gestos afeminados e exagerados estão presentes em todos os personagens, já a vestimenta com traços considerados femininos só não se encontra na personagem Alfredão.

Mastigando Letras: Em que sua pesquisa colaborou ou contribuiu?

Entrevistado: Minha pesquisa se difere em alguns aspectos das demais pesquisas em variação linguística e colabora para compreender uma perspectiva de esfera maior de estudo da linguagem, a linguagem da comunidade LGBTQIA+. A pesquisa contribui para mostrar que a fala do gay afeminado é um movimento que se dá de forma diacrônica, não aleatória e sistemática. Tal linguagem é totalmente imbuída de ancestralidade e corrobora para a construção identitária desses indivíduos tão estigmatizados. Esses fenômenos estudados são tão reais que a mídia heteronormativa os utilizam de forma caricaturesca para a obtenção de um humor que, visto mais a fundo, se pauta em uma sátira de uma comunidade que já é tida como piada há séculos. Minha pesquisa, ainda, abre portas para uma possível abordagem da sociolinguística integrando a teoria de gênero tão debatida atualmente. Digo isso pois, caso futuramente se queira realizar mapeamento linguístico que fiz nos quadros humorísticos em situações reais de fala, como entrevistas, dentro da comunidade LGBTQIA+, a aplicação das teorias sociolinguísticas, que consideram um dos agentes categóricos do falante o sexo (masculino e feminino) não se faria pertinente dentro dessa possível pesquisa, uma vez que a concepção binária de gênero de nossa sociedade heteronormativa seria insuficiente para categorizar os falantes de tal comunidade, visto o espectro maior de gênero que ela compreende. A pesquisa também pode contribuir para os estudos sobre a construção do humor envolvendo personagens da ordem que estudamos.


Mastigando Letras: Dá muito trabalho realizar pesquisa?

Entrevistado: Realizar pesquisa dá um trabalho imensurável. É um processo gradativo desde a organização do cronograma que será seguido, passando pelo agrupamento de fontes teóricas, até a obtenção do corpus e análise dos resultados. Mas creio que o Orientador tem um papel facilitador em uma pesquisa, pois sem ele o graduando não consegue sair do lugar. É um trabalho árduo, mas que deve ser realizado de forma íntima com o orientador e que no final vale a pena.


Mastigando Letras: Sua pesquisa foi feita de modo voluntário ou com bolsa?

Entrevistado: Foi feita de modo totalmente voluntário. A ideia se iniciou no primeiro ano da Graduação, em uma aula de sociolinguística. Depois disso uma professora me apresentou o Prof. Edson, meu orientador, e desde então, trabalhamos juntos durante os cinco anos da graduação.


Mastigando Letras: Valeu a pena ter vivenciado esta experiência na realização de uma pesquisa?

Entrevistado: Valeu muito a pena, pois realizando essas pesquisas consegui desenvolver de forma absurda a minha escrita e a minha linguagem, sobretudo em apresentações em congresso, além de aumentar muito meu conhecimento científico na área da Linguística.


Mastigando Letras: Que conselhos você daria para alguém que deseja algum dia experimentar fazer uma pesquisa?

Entrevistado: Eu aconselho que a pessoa tente identificar no primeiro ano da graduação qual área mais gosta e, a partir daí, procure um professor da área para realizar uma pesquisa, ainda que não tenha muita ideia do que pesquisar. Esse professor dará inúmeras ideias, visto a vasta experiência que possui no âmbito acadêmico. Além disso, aconselho a pessoa a se debruçar com afinco na pesquisa, pois ela será a expert no assunto escolhido.


Mastigando Letras: Já apresentou sua pesquisa em eventos científicos? Se sim, como foi esta experiência? Se não, quando será sua apresentação?

Entrevistado: Durante esses anos, já apresentei minhas pesquisas em vários eventos científicos e foram experiências enriquecedoras. Pude ter contato com inúmeras pesquisas na área e com outros escopos teóricos, além de poder receber conselhos de professores e pesquisadores mais experientes que ajudaram a nortear meu olhar científico. O mais legal de tudo é poder publicar artigos e ter todo o seu esforço registrado de alguma forma para que todos possam ver.


Muito obrigado pela entrevista! E parabéns pelo trabalho!!!