Entrevista

Feminismo e Totalitarismo em The Handmaid’s Tale: uma análise comparativa

Foto do acervo pessoal da entrevistada.

Hoje falamos com a pesquisadora Laura Pinhata Battistam, aluna da graduação do curso de Letras-Inglês. Ela foi orientada pela professora Érica Fernandes Alves, em sua pesquisa intitulada "Feminismo e Totalitarismo em The Handmaid’s Tale: uma análise comparativa".

25-04-2021

Mastigando Letras: Qual o tema de sua pesquisa? O que foi pesquisado?

Entrevistada: O tema da minha pesquisa foi analisar três personagens mulheres do romance O Conto da Aia de Margaret Atwood, publicado em 1985, a partir da Crítica Literária Feminista. O objetivo era sistematizar o modus operandi do sistema totalitário religioso de Gilead e compreender de que forma este violentava as personagens de três classes sociais diferentes na obra. As personagens analisadas foram June (Offred), Aunt Lydia e Serena Joy.


Mastigando Letras: De qual teoria ou de quais autores você se utilizou para realizar sua pesquisa?

Entrevistada: A pesquisa teve como fio condutor a Crítica Literária Feminista, sobretudo com Judith Butler e sua teoria da performatividade de gênero e a crítica de Simone de Beauvoir acerca do determinismo biológico, bem como a teoria da dominação masculina de Bourdieu. A caracterização do regime totalitário da obra foi fundamentada em Hannah Arendt.


Mastigando Letras: Você poderia falar um pouco dos métodos e procedimentos que você se utilizou para realizar a sua pesquisa?

Entrevistada: A metodologia empregada na pesquisa, como nítida no título, foi a análise comparativa entre as três personagens. Fundamentada nas teorias supracitadas, dividi o processo em três partes: a apresentação da abordagem teórica juntamente com a apresentação do enredo do romance; a descrição das personagens e a análise, assegurada nas teorias de Butler e Bourdieu, de seus papéis performáticos (e metafóricos) dentro da sociedade descrita no romance; e a conclusão da pesquisa.


Mastigando Letras: Que dificuldades você encontrou para realizar sua pesquisa?

Entrevistada: Encontrei dificuldades na organização do cronograma. Para realizar uma pesquisa é imprescindível que se atente para as datas e as siga à risca para que não haja problemas posteriores. No meu caso, a minha maior dificuldade foi lidar com os prazos. Outro problema que posso citar como dificuldade foi o recorte da pesquisa, pois como esta foi fruto de uma iniciação científica a qual deveria ser feita durante um ano, não poderia englobar muitas análises. Não sei se todos os estudantes de Letras passam por isso, mas a minha tendência é de sempre abranger as discussões. O papel da minha orientadora, profa. Érica, foi fundamental em ambas as dificuldades.


Mastigando Letras: Você poderia agora nos contar sobre os resultados encontrados por sua pesquisa?

Entrevistada: Tentarei fazer de forma resumida, trazendo apenas alguns pontos da análise das personagens June/Offred, Serena Joy e Aunt Lydia.

De acordo com Judith Butler em seu conceito de performance, a construção do gênero e da sexualidade dos sujeitos se dão por “atos performativos”, sendo esses atos os que configuram e constituem o sujeito dentro de uma sociedade. Na sociedade sob o governo totalitário proposta pelo romance, as personagens são reduzidas aos seus papéis performativos determinados pelo gênero: esposa, reprodutora e “controladora social”.

Serena Joy, esposa do comandante Fred, é retratada como uma mulher triste, infeliz e rígida (e aqui é possível notar a ironia presente em seu nome, pois joy significa alegria na língua inglesa). A personagem é submetida à violência simbólica, termo conceituado por Bourdieu, ao ser reduzida à sua performance de esposa. Sua tarefa é, portanto, ser obediente e comandar as tarefas da casa. Mesmo que tendo uma posição mais privilegiada do que outras personagens mulheres da sociedade de Gilead, as esposas também eram reduzidas ao seu papel reprodutivo, pois eram vistas como mulheres fracassadas por não conseguirem gerar filhos.

Aunt Lydia é educadora do Centro Vermelho e responsável por treinar as Aias antes de serem enviadas como servas sexuais às famílias. O papel de Aunt Lydia é endossar o regime totalitário via violência simbólica e física, performando a figura do próprio Estado ao educar repressivamente as Aias. No entanto, a personagem ainda é subordinada aos militares – os verdadeiros detentores do poder na hierarquia de Gilead.

June, rebatizada como Offred (of Fred), é entendida como um objeto sexual e reprodutivo pertencente à família e ao Estado. June não possui nenhum controle sobre a sua identidade, que inclusive é apagada ao ser rebatizada, e nem sobre o seu próprio corpo. Na República de Gilead, é o Estado quem controla o corpo das mulheres. June é violentada não só simbolicamente, mas também fisicamente, sendo coagida a passar por um estupro legitimado e fundamentado pelo Antigo Testamento (história de Raquel e Jacó) e pelas regras da república de Gilead. Sua performance é determinada pelo seu único papel na sociedade: gerar filhos.

Com isso, pode-se concluir as mulheres em Gilead são massificadas e reduzidas ao seu papel reprodutivo (crítica fundamentada por Beauvoir). Ser mulher em Gilead significa ser subordinada a alguém, seja o Estado – como todas são, mas principalmente Aunt Lydia, cujo trabalho é reforçá-lo e mantê-lo -, seja pelo marido, como Serena Joy, seja pela religião ou por todas essas instâncias juntas, como Offred.


Mastigando Letras: Em que sua pesquisa colaborou ou contribuiu?

Entrevistada: Acredito que tenha contribuído para a crítica sociológica da literatura, trazendo uma perspectiva feminista para a interpretação do romance.


Mastigando Letras: Dá muito trabalho realizar pesquisa?

Entrevistada: Sim, na verdade, pesquisar é um trabalho e deveria ser mais valorizado e, inclusive, remunerado por agências de fomento do próprio Estado. Infelizmente, estamos vivendo um período de obscurantismo e descrédito em relação à ciência e à educação e as universidades públicas têm sofrido constantes ataques: as reformas administrativas, a implementação da Lei Geral das Universidades (LGU), a situação dos professores temporários, os cortes de bolsas de pesquisa, entre muitos outros. Pesquisar requer dedicação e compromisso e também é uma forma de resistência.


Mastigando Letras: Sua pesquisa foi feita de modo voluntário ou com bolsa?

Entrevistada: Voluntário.


Mastigando Letras: Valeu a pena ter vivenciado esta experiência na realização de uma pesquisa?

Entrevistada: Sim. Realizei dois PICs durante a graduação e foram experiências diferentes, mas ambas enriquecedoras. Foi assim que desenvolvi o interesse em cursar o mestrado em Estudos Literários.


Mastigando Letras: Que conselhos você daria para alguém que deseja algum dia experimentar fazer uma pesquisa?

Entrevistada: Escolha um tema que te interesse, mas que seja interessante para outras pessoas também e que, principalmente, contribua para a área. Escolha um orientador que você tenha afinidade, pois facilita o processo. Se organize bem com as datas, seja dedicado e compromissado. Seu trabalho será sempre seu, faça um que se sinta orgulhoso de ter feito.


Mastigando Letras: Já apresentou sua pesquisa em eventos científicos? Se sim, como foi esta experiência? Se não, quando será sua apresentação?

Entrevistada: Sim, foi uma experiência diferente devido à pandemia do COVID-19. O evento foi realizado de forma remota, apresentei na XX Semana da Letras da Universidade Estadual de Goiás. No entanto, foi uma experiência positiva, pois me colocou em contato com pesquisadores que, em outro contexto, eu não teria condições de conhecer.


Muito obrigado pela entrevista! E parabéns pelo trabalho!!!