Ensino e Discurso

A leitura e suas condições de produção: leitores, textos e sentidos

Qual o bem que a leitura pode proporcionar?

14-12-2020Por: Pedro Leonardo Albuquerque Tobias (Aluno do Curso de Letras Português-Inglês)Orientador: Pedro Navarro

Aristóteles diz em seu livro Ética a Nicômaco: “toda arte e investigação e similarmente toda ação e escolha, tem como objetivo algum bem”, assim podemos nos perguntar, qual seria o bem que a leitura traz para nós? Dificilmente encontramos alguém que negue a importância da leitura, é quase senso comum que é uma das ações humanas mais elevadas, e não darei maior foco a esta questão, pois presumo que estudantes de letras e aspirantes, já estejam conscientes dos bens que a leitura proporciona. Agora se pensamos na leitura nesses termos, temos que tratar de uma outra questão mais complexa, e que pode confundir muitos, especialmente em nossa sociedade que tanto desvaloriza o real letramento, para focar em fórmulas preconcebidas. Precisamos definir como se atinge esse bem, pois toda arte tem um processo, ou seja, haverá uma forma correta e uma errada de exercer aquela arte, se alguém executar de forma errada não atingirá o bem, ou atingirá de forma torpe, então como atingimos o bem que a leitura pode nos proporcionar? É o que procurarei responder.

Para começar precisamos entender quais são os tipos de leitura, isto é, os diferentes métodos que empregamos na leitura de um texto, a depender do que procuramos quando estamos lendo ele, no seu texto Prática da leitura na escola, João Wanderley Geraldi define quatro tipos de leitura. Primeiro a leitura pode ser feita como uma busca de informações, ou seja, o leitor lê o texto para responder alguma pergunta que tenha, seja para encontrar a resposta no texto, seja para adicionar o texto em seu repertório para responder uma pergunta mais complexa. Depois temos a leitura como estudo, é quando fazemos uma análise do texto, o separando em: tese, argumentos, contra-argumentos e analisamos se existe no texto coerência. O terceiro tipo é a leitura como pretexto, é quando lemos um texto com objetivo de realizar alguma outra atividade baseada nele. O último tipo é a leitura como fruição, quando lemos um texto por vontade espontânea, por prazer. Agora que temos os tipos de leitura, podemos definir quais processos nos ajudarão com essas leituras (seja qual for que precisamos fazer), e quais nos atrapalharão.

Em seu texto Concepções de leitura e suas consequências no ensino, Ezequiel Theodoro da Silva, define sete concepções errôneas, sobre a leitura, que infelizmente ainda são propagadas pelas escolas brasileiras, e que nos afastam do seu verdadeiro sentido, ele as chama de concepções redutoras, são elas: “ler é traduzir escrita em fala”, aqui temos presente uma ideia muito propagada nas escolas, preocupadas com a eloquência dos alunos, os ensinam que ler em voz alta é o que importa para uma leitura, o que acaba gerando leitores com uma compreensão textual deficiente. Depois temos “ler é decodificar mensagens” e “ler é dar resposta a sinais gráficos” essas duas concepções bem próximas, tratam o leitor como um agente passivo, ou seja cabe a ele o papel de entender o que está marcado no papel, levando-o a desprezar a interpretação. A seguir vem “ler é extrair a ideia central” aqui se pressupõe que o texto tenha uma ideia central para ser extraída, o que nem sempre é verdade, e mesmo quando é, acaba sacrificando parte do significado do texto, produzindo uma leitura deficiente. Assim como “ler é seguir os passos da lição do livro didático” também produzem uma leitura deficiente, ainda que os livros didáticos tenham sim sua importância, reduzir toda a leitura como parte de um processo para respondê-los é completamente equivocado. E por fim temos “ler é apreciar os clássicos” certamente sabemos que os clássicos só atingiram tal posição pois tem um grande valor, agora ler é ler qualquer coisa, não somente um determinado tipo de texto.

Agora que entendemos quais processos não seguir ao iniciar uma leitura, precisamos entender qual é o caminho correto da leitura, assim emprestaremos novamente conceitos de Ezequiel, do mesmo livro que mencionamos anteriormente, onde ele nos dá algumas definições sobre o que a leitura é, ou deveria ser. Em primeiro lugar “ler é interagir”, significa dizer que o leitor com seu próprio repertório prévio dialoga com o texto, conectando o que está escrito com a realidade que ele vive, o leitor age sobre o texto, assim como o texto age sobre o leitor. E principalmente “ler é produzir sentidos”, a maior riqueza de um texto é sua capacidade de trazer diferentes sensações em diferentes pessoas, cada um com seu repertório vê o texto a sua maneira. Por fim “ler é compreender e interpretar” toda leitura envolve um projeto de compreensão e um processo de interpretação, pois todos lemos com um objetivo, e a interpretação é mera consequência da produção de sentidos, onde o leitor relaciona o que lê, com sua vida.

Assim, temos os processos que devemos seguir para uma leitura correta, entretanto, esses processos por si só, não conseguem dizer tudo a respeito da leitura, ainda existem outros aspectos para os quais devemos atentar ao realizar uma leitura. Primeiramente, falaremos das condições de produção, sabemos que todo texto é produzido por alguém, uma pessoa, essa pessoa necessariamente pertence a um grupo dentro da sociedade, que é o que chamamos de sujeitos, por exemplo: professores, crianças, adolescentes, policiais, são sujeitos de uma sociedade, cada sujeito tem uma visão particular de mundo baseado nas suas experiências, portanto um determinado texto apresentado a um professor e a um policial, vai ter sentidos diferentes para esses dois sujeitos. E além disso todos os sujeitos de uma sociedade se encontram dentro de um contexto, o que chamamos de sentido amplo do texto, isto é um conjunto, entre os costumes, cultura, e a política de um povo. Hoje no Brasil temos um determinado contexto, se observarmos a Europa medieval, veremos um contexto bem diferente, esse contexto incita a criação de textos, por exemplo quando observamos as tirinhas da Mafalda vemos ali várias críticas, que compreendemos melhor se entendermos o contexto de sua produção, que foi durante as ditaduras militares da América latina.

Mas para a fundo entender essa questão dos sujeitos, e do contexto de produção, precisamos emprestar alguns conceitos do filósofo Michel Pêcheux, que ele chama de jogo de imagens ou formações imaginárias. Mas para uma melhor compreensão, acredito que um exemplo pode ajudar:

Nesta imagem, que se trata de uma campanha publicitária postada nas redes sociais do candidato a vereador pela cidade de São Paulo, Eduardo Suplicy, podemos observar uma releitura de uma imagem pertencente a um jogo chamado Among us, que possui uma grande popularidade atualmente principalmente entre o público jovem, na propaganda o título do jogo foi substituído por um slogan de campanha, do candidato Suplicy, “Renda básica já” que se trata de uma proposta do candidato de implementar renda básica na cidade de São Paulo. Portanto temos aqui algumas imagens que Pêcheux nos demonstra, como por exemplo: temos a visão do autor sobre o objeto de campanha, ou seja, a renda básica, como algo que pode interessar o jovem, por isso ele a alia com um jogo de videogame. - IA(R) – Os autores da campanha veem si mesmos como capazes de se comunicarem com um público jovem - IA(A) - Assim o leitor constrói sua imagem sobre o que está sendo discutido a partir posição tomada pelo autor, podendo discordar ou concordar com a proposta, e com o método utilizado para fazer a propaganda. - IL(R) - Por consequência esse leitor criará uma imagem dos autores da peça, pode pensar que foram sensatos e inteligentes ao escolherem uma obra popular com a juventude, ou que estão apelando para conseguir votos- IL(A) - Em alguns essa propaganda pode levar a uma auto reflexão, tanto sobre a proposta, que pode ser inédita para muitos, como sobre esse modo de fazer propaganda- IL(L) - Portanto, essas seriam algumas das imagens possíveis de serem criadas a partir desse texto. Sempre se atentando ao fato de que sujeitos diferentes, inseridos em contextos diferentes, criarão, baseados em sua própria experiência e conhecimento de mundo, imagens diferentes.

Referências bibliográficas

GERALDI, João Wanderley. Prática da leitura na escola. In: GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. 1. ed. São Paulo: Editora Ática, 2011.

SILVA, Ezequiel Theodora da. Concepções de leitura e suas consequências no ensino. Perspectiva, Florianópolis, v. 17, n. 31, p. 11-19, 1999.

RENDA básica já. São Paulo, 21 out. 2020. Disponível em: https://twitter.com/esuplicy/status/1319048359198511107/photo/1. Acesso em: 22 out. 2020

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2015.