Editorial

Os Cem Anos da Semana de Arte Moderna

A arte e a multiplicidade de vozes e identidades

01-02-2022Por: Érica Fernandes Alves, Hélcius Batista Pereira, Geniane Diamante F. Ferreira e Fabrício César de AguiarDocentes do Curso de Letras/UEM e Coordenadores do Mastigando Letras

Apreciar a arte é, sem dúvida, um agradável desígnio, uma vez que o Belo se faz a partir do momento da fruição de qualquer obra artística e provoca no ser humano uma infinidade de sensações e emoções, além de fomentar o pensamento crítico e o deleitar.

O ser humano, como incansável explorador que é, vive à procura de respostas para tantas perguntas que lhe intriga e aflige. Muitas vezes, é na arte que encontramos tais respostas, como afirma o famoso escritor Oscar Wilde, “Cada um de nós para o tempo em busca do segredo da vida. O segredo da vida está na arte”. Assim sendo, é nos braços de uma obra artística que o humano vislumbra a si mesmo e as explicações para suas inquietudes.

A arte, por representar, de forma particularizada, a realidade que nos cerca, se modifica, se renova e se reinventa a partir das transformações que ocorrem na sociedade, tal sua capacidade de espelhar a vida das mais variadas formas: por meio da música, da pintura, da escultura, da literatura...

Em 1922, um grupo de artistas brasileiros vislumbraram as mudanças ocorrendo no seio da sociedade e, ousadamente, se propuseram a mostrar, discutir e disseminar tais mudanças por meio de sua arte. Assim, em fevereiro foi oficialmente aberta a Semana de Arte Moderna ou, a Semana de 22, como também é conhecida. O evento, que ocorreu entre os dias 11 e 18 de fevereiro do ano de 1922, com exposições no ilustríssimo Teatro Municipal de São Paulo durante o dia e com apresentações no salão de conferências nas noites de 13, 15 e 17 de fevereiro, foi um marco para o modernismo brasileiro, muito embora tenha, em parte, sido ignorado na época.

É preciso lembrar que o Brasil vivia um momento de extrema inquietação política, social, econômica e mesmo cultural. Era preciso, então, repensar o papel da arte em relação a tudo isso. Além disso, as mudanças culturais no cenário mundial, principalmente europeu, serviram, em parte, de fonte inspiradora para uma transformação na arte brasileira. Deste modo, um grupo de artistas visionários ligados à diferentes manifestações culturais se propuseram a colocar em pauta toda essa ebulição que se fazia acontecer mundo afora nas artes.

A ideia era garantir uma identidade própria para a arte brasileira, portanto, o experimentalismo foi uma tônica do evento. Não se idealizou uma identidade fixa, imutável, muito pelo contrário, buscou-se uma diversidade e um pluralismo de conceitos para pensar o Brasil tal qual ele era e, ousamos dizer, ainda é: multicultural e multifacetado. Já estava mais que na hora de exprimir, por meio da arte, o verdadeiro Brasil que ora se apresentava.

Assim sendo, durante a semana, grandes artistas da época se revezaram para expor e discutir sua arte. Na pintura, nomes como o de Anita Malfatti e Di Cavalcanti ilustraram uma das noites do evento; na música, Heitor Villa-Lobos e Guiomar Novaes se fizeram ouvir; na escultura, Hildegardo Leão Velloso e Victor Brecheret tiveram sua presença confirmada e, na literatura, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira (embora ausente por se encontrar com problemas de saúde), Menotti del Picchia e Plínio Salgado, dentre vários outros, abrilhantaram o evento com seus poemas e prosas.

Para além do momento em que a Semana de Arte Moderna ocorreu, podemos pensar nos mais diversos desdobramentos que se fizeram ressoar no meio artístico, como, por exemplo, movimentos como a Lira Paulistana e o Tropicalismo na década de 1970, além de diversas outras contribuições para a escultura, a pintura, a literatura e a música. Entretanto, o que mais se destacou no evento e que podemos ver hoje é o impulsionamento da arte como artifício para expor o mundo de forma diversa, respeitando a multiplicidade de vozes e ideias que pululam no país.

Para nós do Mastigando Letras, a Semana de Arte Moderna é de especial importância, visto que a literatura, arte que integra os cursos de Letras Brasil afora, não só expressa o multiculturalismo e a diversidade de sujeitos como também dialoga com as outras artes. Como não pensar na pintura quando se lê um poema? Como não cantarolar um poema que soa tão parecido com uma canção? Como não se perder numa paisagem que parece ter sido pintada à mão em um bom romance?

Além da literatura em si, a preocupação com a linguagem foi uma tônica na Semana de Arte Moderna e, para nós, alunos e professores do curso de Letras, ela também é protagonista. Ora, não é por meio da linguagem que o ser humano expressa seus anseios, suas vivências, troca confidências e até pragueja? O que seria de nós se não pudéssemos recorrer a ela para mostrar nosso eu verdadeiro?

Assim, literatura e linguagem se unem numa dança cadenciada para nos oferecer o que de melhor elas podem: a comunicação, o deleite, a crítica, os sonhos e a beleza estética. Portanto, é com prazer que o Mastigando Letras convida seus leitores e seguidores a compartilhar conosco uma viagem até a Semana de Arte Moderna e comemorar seus 100 anos.